

Tomei conhecimento de que o vereador Marcelo Serafim apresentou projeto de lei que impede a mudança de nomes de ruas e demais logradouros públicos já denominados na cidade de Manaus. Parecer contrário da Comissão de Constituição e Justiça foi derrubado em boa hora e a matéria seguiu para a Comissão de Finanças, Economia e Orçamento, a fim de se manifestar a respeito da iniciativa.
É comissão sobre comissão, de tudo quanto é espécie, neste país que ainda guarda e não consegue se livrar dos ranços seculares das Ordenações do Reino, da época do Brasil Colônia, um atraso histórico que teimamos em não superar. Mas, com todos os embaraços, o projeto merece aplausos e deve ser aprovado com a urgência das urgências. Funda-se no interesse maior dos habitantes desta mui querida e formosa capital dos amazonenses, pelo menos aos meus olhos, apesar de todos os tropeços passados e mais do que nunca presentes. Há anos que me bato em defesa de uma medida dessa natureza, neste espaço e em tantos outros que já ocupei na imprensa local. Se não desço a detalhes sobre o projeto em questão é porque dele não consegui nenhuma cópia, embora tenha solicitado por e-mail ao gabinete do referido vereador.
Paciência. Importante é que a ação parlamentar municipal está em curso e que com ela possamos corrigir uma sucessão de equívocos, até alguns graves disparates, que constatamos na nomeação de muitos logradouros públicos em Manaus. Trocam-se denominações de ruas tradicionais na cidade com uma irresponsabilidade incrível. Desdenha-se de nomes conhecidos por várias décadas e causa-se realmente enormes transtornos à população, especialmente a quem mora nos locais atingidos pelas mudanças. Independente do novo homenageado e deixando de lado se o próprio teria ou não merecimento para receber o título, as ruas e demais locais de uso comum de uma cidade, desde o momento de sua inauguração e denominação, passam a integrar a história, muitas vezes como palco de acontecimentos relevantes na vida da urbe.
Há personagens que não podem ser deixados de escanteio ou ao olvido, como ocorreu recentemente com a chamada Arena da Amazônia, designação que substituiu o nome do médico Vivaldo Lima, figura das mais notáveis da história do esporte amazonense, presidente do Nacional e fundador e presidente do Fast. Imaginem os leitores a alteração dos nomes da Avenida Eduardo Ribeiro e da Praça da Polícia, onde muitas gerações, como a minha, experimentaram momentos pregados para sempre em nossas retinas já um tanto cansadas. A Praça da Polícia, a despeito da outorga justa prestada a Heliodoro Balbi, notável homem público, jornalista, intelectual e poeta, permanecerá para sempre como a nossa Praça da Polícia, local do ‘footing’ nas tardes de domingo, que fazíamos com o coração encantado com a beleza das meninas daqueles tempos juvenis.
Fico com Manuel Bandeira, quando diz no poema Evocação do Recife: “Rua da União… Como eram lindos os nomes das ruas da minha infância, Rua do Sol (Tenho medo que hoje se chame do dr. Fulano de Tal) Atrás da casa ficava a Rua da Saudade… onde se ia fumar escondido. Do lado de lá era o cais da Rua da Aurora… onde se ia pescar escondido…”, com nossas antigas memórias das ruas do centro de Manaus, calçadas com paralelepídedos portugueses.
Pelo amor de tudo o que tanto prezam ou possam prezar, seja o que for, deixem a cidade em paz, não mexam em seus nomes de origem. Reverenciem quem bem quiserem, lá longe, bem lá longe, em obras novas e outros feitos, mas não rebatizem nada. Deixem que possamos cultivar o que nos resta de memória, nesta nossa Manaus tão destruída e vilipendiada. Basta o que fizeram com alguns bairros periféricos, com todo o seu conjunto urbanístico, que ostentam distinções oferecidas a forasteiros sem nenhuma identificação histórica conosco, com a nossa cultura cabocla, quando não nos enxovalham pela desonra.
Cuidem de outros temas e questões, resolvam-se em outras preocupações, e podem ser tantas. Dentro do possível, tragam de volta os nomes que já nos roubaram de nossas ruas e avenidas. Perdemos os nossos mais belos igarapés, com suas águas geladinhas e escuro-carameladas, limpas e translúcidas, os famosos banhos de fim de semana, onde comungávamos em família e com os amigos, nadando como peixes íntimos da natureza amazônica. Foram engolidos por aterros criminosos e levaram um pouco de todos nós, de nossa alma. De qualquer sorte, não convém perder de todo a esperança. Continuaremos pedindo ou implorando, contanto que salvemos alguma coisa, a designação histórica dos espaços públicos, enfim, as nossas lembranças. Manaus espera e merece.(Paulo Figueiredo – advogado, escritor e comentarista político – [email protected])