Um tributo solitário – por Flávio Lauria

Flávio Lauria é Administrador de Empresas e Consultor.

Neste domingo, comemoramos mais um Dia das Mães. Me predispus a escrever sobre as mães, especificamente sobre a minha que com noventa e cinco anos, está como naturalmente acontece em sua jornada da finitude. Mas, resolvi mais uma vez escrever sobre a violência. A estatística não é favorável ás mulheres, sejam mães ou não, a cada 17 horas uma mulher é vítima de feminicídio, incluindo nosso Estado. Nunca conheço vítimas ou autores na chamada banalização do crime, entendida como a eliminação física do próximo, as mais das vezes por motivos fúteis.


Sabemos também da banalização dos crimes de outro tipo: os praticados, sem repercussão de impacto na mídia, pelas elites. durante séculos, desde a própria chegada dos enviados de El-Rei, construindo, consciente ou inconscientemente, um status quo que traz como resultado a morte diária de pessoas, principalmente crianças, por falta de meios mínimos de subsistência; os perpetrados pela máfia de colarinho branco, protegida na malha política, empresarial, judiciária e da administração pública, apropriando-se do patrimônio social. Apropriação antes de tudo covarde, diferentemente da feita por assaltantes de mão armada que podem até arriscar a vida com reação de suas vítimas ou de eventuais seguranças e policiais. Voltando, porém, ao enfoque da violência e insegurança em que se encaixa o crime tema deste comentário, é de se perguntar onde estão os porquês e os culpados da existência desse quadro de abrangência nacional.

Especialistas de diferentes áreas têm contribuído para levantar as causas e as soluções (que são mais difíceis) dessa situação. Entre as primeiras, são apontadas a concentração de renda, empurrando grande parte da população a níveis miseráveis de sobrevivência, facilitando o recurso ao tráfico de drogas como meio de vida; a falta de uma orientação de controle de natalidade voltada para as classes mais pobres; o sucateamento do aparelho policial e má remuneração dos profissionais do setor, motivando inclusive condições para muitos se corromperem; a falência do sistema prisional, transformado em escola de aperfeiçoamento de criminosos e o ultrapassado sistema de leis penais vigente. O que pessoalmente posso fazer como contra esse massacre? Abalado, impotente diante do fato e de mim mesmo, vontade tenho de abrir a janela e no silêncio da noite gritar em protesto contra o acontecido.

Alguns vizinhos poderiam acordar, mas, incomodados, se voltariam contra mim, chamando-me, no mínimo, de louco. Compadeço-me profundamente, mas as lágrimas não vêm e até seriam lugar comum se fosse me martirizar com as barbaridades destacadas diariamente pela Imprensa. Tomo então uma atitude. Além da decisão de escrevinhar estas linhas, pratico um ato de significação simbólica: levanto-me, ponho um headphone e aciono o equipamento de som para ouvir, como tributo solitário, às cinco chacinadas minhas desconhecidas, o Réquiem de Mozart. A audição exclusiva passa a representar a revolta, indignação, inquietação e tristeza em que sou envolvido, principalmente quando o feminicídio é vulgarizado. Feliz dia das Mães, apesar de tudo.

 

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