Abel Alves condenado à revelia por crime de agitação política na ditadura militar

Alves discursa para militantes do PSOL/Foto: Divulgação
Alves discursa para militantes do PSOL/Foto: Divulgação
Alves discursa para militantes do PSOL/Foto: Divulgação

Na prisão peguei uma malária e estavam me tratando como se eu estivesse com infecção urinária. Naquela época os médicos do Exército eram especialistas em curar gonorreia. Quando eles viram que o meu estado de saúde era grave e que eu estava morrendo, resolveram me mandar para a Santa Casa de Misericórdia de Manaus.


O advogado, juiz e desembargador anistiado, Abel Rodrigues Alves, ex deputado estadual e candidato ao governo do estado do Amazonas, pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), participou ativamente das lutas sociais nos anos em que antecederam a revolução de 1964, sem nunca tocar numa arma ou manchar a sua biografia com sangue. Nessa época Abel trabalhava na administração de Miguel Arraes, governador de Pernambuco. Por conta disso foi condenado a sete anos de prisão. A sua arma era a retórica e um microfone.

Com a chegada do golpe de estado no Brasil e a instauração do regime militar, Abel Alves foi obrigado a viver, temporariamente, na clandestinidade para não ser preso e obrigado a dedurar, sob tortura, seus companheiros de lutas. Por ocasião do golpe ele ficou, durante três dias, escondido em uma pensão, até se refugiar entre Rio de Janeiro e São Paulo.

Abel foi acusado pelo Regime de Exceção de praticar crime de agitação porque organizava manifestações públicas, reivindicando melhores condições de trabalho para os cortadores de cana de açúcar, em conjunto com o sindicato da categoria. “Nós administrávamos as greves no campo parando o corte de cana. A nossa luta era legítima e visava melhores salários e condições mais humanas para o trabalhador rural”, lembra Abel.

Depois de algum tempo no exílio, Abel voltou para Manaus e foi preso no dia seguinte, na casa da sua ex-sogra, pela Polícia do Exército. Na prisão pegou malária e quase morre porque os médicos do Exército, que eram especialistas em curar gonorreia, estavam lhe receitando remédio para infecção urinária. Seu estado de saúde piorou e ele foi mandado para a Santa Casa de Misericórdia. “Lá eu fui atendido pelo doutor Benzecry. Por meio dos exames ele constatou que eu estava com três cruzes de malária”, recorda Abel.

Em março deste ano o Golpe Militar, que aconteceu na madrugada de 31 de março para 1º de abril de 1964, completou 50 anos. Foi comandada por líderes civis e militares conservadores que derrubaram o presidente João Goulart com o objetivo de afastar do poder um grupo político que, na visão dos conspiradores, levava o Brasil para o regime comunista, o mesmo praticado em Cuba.

No processo instaurado pela Agência Brasileira de Inteligência, Abel foi assim identificado: “Foi Secretário de Governo do Estado de Pernambuco; funcionário da Secretaria Assistente do Recife/PE; Juiz de Fonte Boa/AM; Interventor na associação Rural de Tefé; delegado de polícia de Tefé; advogado da Federação dos Trabalhadores de També/PE; advogado do Banco de Fomento Agrícola do Estado do Acre; assessor jurídico da Junta Comercial do Estado do Acre; professor da Faculdade de Direito do Estado do Acre; funcionário do Banco do Estado do Acre; secretário do prefeito municipal de Tefé”.

Nessa entrevista você vai conhecer a biografia de Abel Alves, um amazonense que se destacou em outros estados da Federação, contribuindo com seu trabalho para a melhoria da qualidade de vida do povo brasileiro com sua luta, determinação e coragem. Aqui, o candidato fala das suas reminiscências, como a dos tempos de criança quando era aluno do Colégio Dom Bosco e, depois, da Faculdade de Direito que ficava à sombra da velha jaqueira, na Praça dos Remédios. Abel discorre sobre a sua luta como deputado estadual pelo Amazonas e da sua prisão pelo Regime Militar. Leia a entrevista, na íntegra.

Como foi a sua infância?
Abel – Eu nasci em Tefé, município do Médio Solimões, no dia 13 de abril de 1940, já faz um pouquinho de tempo, né? Naquela época a gente fazia o primário com muita dificuldade e vinha a Manaus para estudar o ginásio, depois o científico e tentar uma faculdade. Antes de entrar para a faculdade eu estudei em Tefé, onde fiz o primário, segundo e terceiro ano de seminário. Depois fui estudar no Grupo Escolar Eduardo Ribeiro onde tinha excelentes professores como a Neuza Frazão, a Irmã Corina, o Evandro Gomes Pereira, meus mestres que jamais poderei esquecer. Depois de concluir o ensino primário estudei o ginásio e o cientifico no Colégio Dom Bosco. Nessa época eu era muito danado. Em meados da década de 50, fui para o externato, daí terminei o ginásio e o cientifico.
Como foi a sua passagem pela faculdade?

Abel – Entrei para a Faculdade de Direito do Amazonas, da velha Jaqueira, em 1958, onde passei somente dois anos porque fui concluir o curso em Recife, o que aconteceu em 1963. Mas deixei muitos amigos por aqui, como o Jaime Maués, que hoje é procurador; o Padre Bessa; o Antonio Valente Neto, que é professor da Ufam, além de outros amigos que permaneceram na profissão de advogado ou se tornaram servidores públicos. Ninguém dos meus contemporâneos de faculdade se enveredou pelo caminho da política, somente eu.
Foi em Recife que o senhor começou a fazer política partidária?

Abel – Foi. Eu integrei o PCB, que tinha uma célula na Faculdade de Direito. Em Recife, onde morei por quatro anos, fiquei até o dia 5 maio de 1964, daí tive que viajar para São Paulo, fugindo da perseguição política, do golpe.

Além de estudar, o que o senhor foi fazer em Recife?
Abel – Eu fui trabalhar no governo de Miguel Arraes, na Secretaria Assistência e Ação Social, voltada para as atividades da zona rural. Também fui interventor no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de També, para tentar pacificar os ânimos devido a morte de um ativista trotskista, conhecido como Jeremias. Graças a Deus conseguimos apaziguar a população revoltada, mas não deixamos de continuar a luta dos trabalhadores cortadores de cana.

E quanto à sua fuga?
Abel – Foi no dia 5 de abril. Àquela altura todo mundo estava cassado pela revolução e eu, por questões de 5 minutos, não fui preso quando fui buscar minhas coisas no apartamento onde morava. Tinha um jipe que ia nos transportar para Goiânia e També, mas o motorista que me servia nos dedurou e levou a polícia onde a gente estava. Mas eu já havia saído de madrugada e meu irmão foi me deixar, de ônibus, em Maceió. Em seguida viajei para o Rio de Janeiro e fiquei na casa de um amigo de Arraes, em Pedra de Guaratiba. Fiquei por lá cerca de uns quatro meses e depois fui para São Paulo, onde permaneci por dois, na clandestinidade.(Paulo Onofre)

A segunda parte desta entrevista com Abel Alves, será apresentada na quarta-feira(06)

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