Abel Alves condenado à revelia por crime de agitação política na ditadura militar(Final)

Abel Alves, fala a militantes do PSOL
Abel Alves, fala a militantes do PSOL
Abel Alves, fala a militantes do PSOL

Produzida pelo jornalista Paulo Onofre, colaborador deste Portal, publicamos hoje, quarta-feira (06), a segunda e última parte da entrevista do candidato do PSOL, ao governo do Amazonas, Abel Alves.


E como foi o seu retorno para o Amazonas?
Abel – Foi no final de 1964. Fui para a minha cidade, Tefé. Em seguida tirei a minha carteira da OAB e fiquei advogando até 1966. Em seguida vim para Manaus prestar um concurso de título para juiz de direito e fui aprovado e nomeado para atuar em Fonte Boa. Depois disso descobriram que eu estava sendo processado à revelia, em Pernambuco, onde fui condenado a sete anos de prisão, por crime de agitação porque estávamos na ilegalidade. Sabendo disso o governador Arthur Reis mandou me demitir.

Como o senhor ficou sabendo do processo?
Abel – Por meio do meu irmão. Nesse processo eu fui acusado de incitar os trabalhadores cortadores de cana de açúcar. Eu, juntamente com o sindicato da categoria, administrávamos a greve no campo, parando o corte de cana. A gente reivindicava melhores salários e condições humanas de trabalho. A nossa causa era justa. Eu participava da administração Miguel Arraes, um governo muito sensível para as questões sociais. Antes de ser preso pelo regime, Arraes criou uma super secretaria assistencialista para atuar na área rural e dividiu o estado para ser atendido por subsecretarias. Eu assumi a subsecretaria responsável por També, Abreu e Lima, Iguaraçu e Paulista, onde eu coordenava as ações da área.

E onde o senhor se encontrava no dia do golpe?
Abel – No Palácio da Princesa. Quando cheguei lá, soube que o governador Miguel Arraes havia sido preso pelo general Justino Bastos, do 4º Exército, que era sediado em Recife. Procurei alguns companheiros e fugimos sob fortes rumores do assassinato de um estudante em consequência da revolução. Durante três dias fiquei escondido em uma pensão.

Como o senhor ficou sabendo da sua exoneração do cargo de juiz de Fonte Boa?
Abel – Eu estava viajando de Tefé para Manaus quando um amigo em comum me avisou que havia escutado no programa Voz do Amazonas, da antiga Rádio Baré, que o governador Arthur Reis tinha mandado me exonerar. Quando cheguei à capital procurei o desembargador que me confirmou a demissão e ainda me disse que “é melhor o senhor ser demitido, por ser mais jovem, do que eu”. Isso foi em 1967.

Desempregado, o que lhe restou fazer?
Abel – Fiquei em Manaus e fui trabalhar advogando no escritório do Raimundo Aleixo e José Paiva Filho. Até que, em 1970, fui convidado por amigos da família, para trabalhar em Rio Branco. Naquela época havia poucos advogados trabalhando na capital acreana. Então fui ser o advogado do Banco do Estado do Acre (Banacre). Nessa mesma época fui convidado para lecionar a matéria Direito Comercial, na faculdade de direito, da Universidade do Acre, que estava sendo fundada, era 1970. O presidente do Banacre era também gestor da Junta Comercial, onde fui assistente jurídico.

Como aconteceu a sua prisão?
Abel – Foi em 1971. Eu estava na solenidade de posse de um desembargador quando chegou um major do Exército perguntando quem eu era. Eu disse que era um advogado amazonense e que estava trabalhando na cidade há mais de um ano. Acredito que ninguém sabia do meu processo, senão não teriam me dado o emprego. Na semana seguinte chegou meu mandato de prisão, então fui chamado pelo presidente do Banacre que me designou para resolver um problema do banco, em Manaus. Depois me pareceu que eles não queriam que eu fosse preso no Acre. Chegando a Manaus, no dia seguinte fui preso na casa da minha ex-sogra, pela Polícia do Exército.

Como era a sua vida de preso político, na prisão?
Abel – Não desejo isso para o meu pior inimigo. Na prisão peguei uma malária e estavam me tratando como se eu estivesse com infecção urinária. Naquela época os médicos do Exército eram especialistas em curar gonorreia. Quando eles viram que o meu estado de saúde era grave e que eu estava morrendo, resolveram me mandar para a Santa Casa de Misericórdia de Manaus, onde fui atendido pelo doutor Benzecry que mandou fazer uma lâmina e constatou que eu estava com três cruzes de malária. Na madrugada do dia seguinte, fui acordado por policiais do Exército e fui mandado para Recife. Chegando em Olinda fiquei em uma solitária, depois fui transferido para a cavalaria Dias Cardoso e, em seguida, fui para o Hospital de Isolamento.

O senhor lembra de algum companheiro de sela?
Abel – Eu, como já tinha o processo julgado, tive apenas que cumprir a pena. No cárcere quem esteve comigo foi padre Geraldino, de Crateús, meu colega de cela e uma espécie de agente do clero. Ele trabalhava na prelazia de Dom Fragoso, o bispo que se recusara a rezar a ‘missa do golpe’. O padre foi solto antes de mim. Era um homem muito inteligente, tinha uns trinta anos e já queria morrer porque estava enfrentando um drama existencial. Havia uma freira que se apaixonou por ele e, em função disso, entrou em colapso, pois tinha marcado para se encontrar com ela na França. Vivia um drama muito grande, porque não queria deixar a batina. Uma hora ele queria ser padre, outra queria se casar. Eu não posso julgar esta história, que ele contava. Acredito que o sofrimento dele era mais interior, uma guerra interna. Infelizmente não sei por onde anda Geraldino, ainda pretendo procura-lo.

O senhor foi condenado a sete anos de prisão mas não cumpriu toda a pena, por que?
Abel – Passei um ano e meio encarcerado. Considerando os motivos que me levaram à prisão, você acha pouco? Tive um advogado que o meu irmão constituiu para me defender, o doutor Pércio Lins e Silva, que entrou na Justiça com um mandato de prescrição da pena. Eles baixaram a minha sentença de quatro anos para um e meio; a outra condenação de três para um ano e meio, aí o magistrado deu a prescrição da pena in concreto porque eu já tinha cumprido esse período no cárcere. O ministro que relatou o meu processo foi o paraibano Alcides Carneiro; na composição da Mesa ele não era militar. Quando fiquei em liberdade voltei para o Acre, onde passei onze anos. Durante esse período perdi meu emprego.

E o que o senhor foi fazer, de novo, no Acre?
Abel – Fui exercer a minha profissão de operador do direito, me filiei ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e me candidatei a deputado federal. Na qualidade de presidente do partido, recepcionei o Lula e o Jacob Bitar, em 1982, por ocasião da fundação do Partido dos Trabalhadores (PT) no Acre. Nessa época eu era muito amigo do Chico Mendes que sempre vinha à minha casa. Quando acontecia alguma coisa de grave, o Chico sempre corria para a minha casa para a gente discutir o assunto e tentar resolver a situação. Posso dizer que conheci o Chico Mendes de perto.

Mas o senhor exerceu algum cargo eletivo no Acre?
Abel – Fui candidato a deputado federal, pelo antigo MDB, mas se eu tivesse sido candidato a deputado estadual provavelmente teria sido eleito.

Mas aqui, em Manaus, o senhor se elegeu deputado estadual. Como foi a sua eleição?
Abel – Fui candidato pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB). Ganhei a eleição e me tornei líder do partido na Assembleia Legislativa do Estado (Ale-Am). Éramos oposição ao governo de Amazonino Mendes (1987-1991). Durante o meu mandato fui eleito pela mídia como: Deputado do Ano; Orador do Ano; Legislador do Ano; e O Deputado Mais Atuante do Ano. Fui também o relator da Constituinte Estadual do Título dos Direitos e Garantias Individuais. Aprovei a criação de quatro municípios, que foram anulados por uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adim), impetrada pelo então governador Gilberto Mestrinho, que assumiu no lugar de Amazonino.

Como o senhor chegou a ser desembargador?
Abel – Quando fui Delegado Regional do Trabalho, tive que ir a Brasília, resolver uns problemas da Delegacia na época que tinha sido assinada e regulamentada a Lei da Anistia (ampla, geral e irrestrita). Nessa ocasião conversei com o José Pedro, diretor do Ministério do Trabalho, e contei que tinha sido demitido da função de juiz, em Fonte Boa e se eu podia ser anistiado. Ele me indicou uma advogada que trabalhava na Comissão de Anistia. Chegando lá expliquei para ela a minha situação e perguntei se ela poderia me ajudar. Ela respondeu que eu tinha razão, mas que teria que fazer uma busca do meu processo. Em seguida retornei com o José Pedro que me disse que eu estava no caminho certo porque ele já tinha sido presidente da Comissão de Anistia. Assim o meu processo correu à quatro mãos. Ele tinha pessoas que conhecia na comissão do Ministério da Justiça. Fiz a juntada dos documentos e dei entrada, em 2001, enquanto isso o processo rolando com várias diligências no Tribunal. Pediram contracheques, declaração do tempo em que eu tinha sido juiz. Aqui conversei com o desembargador Djalma Martins, que era o Presidente do Tribunal de Justiça, que chamou os juízes e pediu para que eles providenciassem todos os documentos necessários. Tenho que reconhecer, também, a presteza do juiz Jomar Fernandes e do seu secretario, o Juscelino, que em um espaço exíguo de tempo encontraram todos os documentos. Retornei a Brasília, com todos os documentos em mãos. Depois que julgaram procedentes a minha anistia, fui conversar com o relator para agradecer a celeridade do meu processo que me perguntou: ‘o que você foi fazer em Recife, se és de Tefé, do Amazonas e era juiz de Fonte Boa?’ Daí fiz um retrospecto da minha vida.

Então o senhor foi anistiado, promovido, aposentado e indenizado?
Abel – É verdade. Recebi tudo. No entanto, quando Lula tomou posse como presidente, em 2003, fiquei esperando o Ministro da Justiça assinar a portaria da minha anistia. Eu tive direito a uma indenização de cinco anos, com efeito retroativo e salário mensal de desembargador estadual. Depois de publicada uma Lei Federal, ficou definido que cada estado teria um patamar de salário, não tinha  paridade. Ninguém poderia ganhar mais do que o Ministro do Supremo. Hoje sou desembargador anistiado, se não tivesse sido demitido com certeza teria sido desembargador de fato e de direito, pois todos os juízes, meus contemporâneos, são ou foram desembargadores da ativa.

Depois de anistiado e desligado da Delegacia do Trabalho o que o senhor foi fazer?
Abel – Continuei militando politicamente. Em 2004 fui candidato a prefeito de Tefé com uma coligação de onze partidos e uma eleição quase garantida, mas dentro do nosso arco de aliança, havia um cidadão que foi cooptado por outro candidato que criou uma cizânia muito grande, as vésperas das convenções. Éramos quatro candidatos: Eu, Moda – que era do grupo do Hélio Bessa – Paty e o Sidônio, que vinha com o apoio do Amazonino e de vários deputados estaduais. Eu estava no PT e apressadamente decidimos que eu iria sair candidato a vice prefeito do Sidônio para o Papy não ganhar o pleito. Ainda fiquei um ano e meio, mas tivemos vários atritos e na reeleição eu não aceitei mais ser vice. Em 2008, o Sidônio veio para reeleição e ganhou. Eu fiquei fora neste período porque adoeci. Mas em 2010 o Sidônio caiu porque já estava no quarto mandato: dois em Alvarães e outros dois em Tefé. O Tribunal Regional Eleitoral (TRE) cassou o mandato dele e determinou eleição suplementar. O Papy saiu vencedor.

Mas em 2012 o senhor desistiu de concorrer como vice prefeito. Como foi essa história?
Abel – Com o Papy no poder me juntei ao Sidônio para disputar as eleições e o então governador, Omar Aziz, lançou o candidato dele, que hoje é prefeito. Nessa época eu já estava no PSOL, seria candidato a vice prefeito, mas meu partido não permitiu a coligação com PSD. Aí tive que sair candidato a vereador. Fui o quinto mais votado, mas não tivemos a legenda suficiente e eu fiquei de fora. Essa é a história. Mas o prefeito hoje, de Tefé, que foi eleito com uma diferença de 87 votos, não satisfaz.

Pretende se candidatar a prefeito de Tefé, em 2016?
Abel – Não sei. Agora estou candidato ao governo do meu estado, pelo PSOL.(Por Paulo Onofre)

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