Abusos – por Flávio Lauria

Flávio Lauria é Administrador de Empresas e Professor Universitário

Depois de falar de amor, gratidão, e escrever sem a ressaca da culpa, volto aos temas que deixam indignados os brasileiros, principalmente se você é cidadão honesto, cumpre seus deveres e responsabilidades, saiba que, no Brasil, você é uma ilha cercada de contravenções por todos os lados (não punidas, consentidas, incentivadas).


Das políticas públicas nos são imputadas altíssimas taxas de juros, número abusado de impostos, catastrófica concentração de renda nas mãos de poucos já muito aquinhoados, inimagináveis atos de corrupção e desvio de dinheiro público.

Sabe-se que a quantia envolvida nos escândalos de corrupção e desvio de verbas públicas nos últimos 10/15 anos daria para solucionar os problemas da educação, saúde, saneamento básico, moradia, emprego e alimentação dos 220 milhões de brasileiros.

Já lhe ocorreu que, em vez de privação e carência, todos poderíamos levar uma vida digna, saudável, farta e segura? Ou, será que esse direito estaria reservado apenas ao primeiro mundo? Não creio que tão absurda situação e tão óbvia solução seja por falta de competência ou visão dos nossos governantes e mandatários. Creio, sim, em uma estratégia pensada, calculada para manter ricos e pobres em seus devidos lugares.

Na sociedade, é cada vez mais normal transgredir leis, acordos sociais, violar regras de respeito e cidadania. O outro é algo, um empecilho que pode e deve ser banido, eliminado. No trânsito, não há regras, por mais que se criem leis e multem infratores. Nos relacionamentos, livros de autoajuda, clichês de boa convivência espalhados pelos meios de comunicação, e slogans religiosos poluindo carros e ruas, não são suficientes para inseminar respeito e solidariedade. Seu carro, casa, privacidade, conquistas, vida, não são seus. Eles pertencem àquele que resolve retirá-los de você, à força, à luz do dia, em público, com a confiança de quem não teme, nem deve.

No comércio, a lógica não é menos perversa. Não temos salário; o que temos é a ilusão de posse do dinheiro, que nos é emprestado, e retomado a seguir numa tática eficaz e segura. Gera-se na pessoa o desejo forte de possuir algo. Depois, lhe é oferecida a chance única, imperdível, generosa, de adquirir aquele bem em troca de suaves e intermináveis prestações mensais. A lógica é que nos preocupemos apenas em fazer o valor da prestação caber no orçamento mensal, e não em criticar se estamos pagando o preço justo, ou se necessitamos, realmente, daquele bem. O mundo, porém, é dinâmico, e as coisas não são estáveis. Na mesma velocidade com que a qualidade de vida se deteriora, crescerá a inconformidade e a necessidade de mudar a realidade. Uma saída é deixar as coisas como estão e assistir aos níveis de carência e da instabilidade atingirem patamares insuportáveis, elevando medo, estresse, miséria, insegurança, com consequências imprevisíveis.

Outra saída é trabalhar pela conscientização e amadurecimento da população. Nessa, infelizmente, não dá para apostar muitas fichas, pois, embora única alternativa verdadeira e digna, ela implica na valorização e no investimento em educação e cidadania. Além de longo prazo, comprometimento ideológico e esforço conjunto, essa saída não combina com os valores hedonistas, imediatos e vazios, que estão sendo incrustados no nosso povo, como: satisfação imediata, levar vantagem em tudo, explorar coisas e pessoas, vencer a qualquer custo.

Estou indignado, mas sei que não estou sozinho. O que fazer? Penso que devemos começar por não deixar perder nossa capacidade de indignação. Falar a respeito; falar muito, com o outro, para o outro, e analisar criticamente a realidade que nos cerca. Como disse Carl Sagan: “Praticar rigorosos hábitos de pensar para não nos transformar em uma nação de patetas prontos para sermos passados para trás pelo primeiro charlatão que cruzar o nosso caminho”. Os próximos passos a própria vida indicará.

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