Afeto – por Flávio Lauria

Flávio Lauria é Administrador de Empresas e Professor Universitário

Piegas não, sentimentalista incorrigível, sim. A meus amigos mais próximos, tenho confidenciado o quanto deixamos de externar afetos em razão de isolamentos imbecis a que nos deixamos ser levados. Particularmente, perdi muitos amigos e amigas nessa pandemia, e deixei de abraçar alguns, por achar que nos encontraríamos sempre na próxima semana.


Nossas preocupações discursivas têm se voltado para a condição de mal-estar em que se vive nos dias atuais. De certo modo, estamos contagiados pela agonia coletiva da Humanidade e falar disso é uma tentativa de pensá-la, preveni-la, atenuá-la. Talvez devamos começar a pensar também em caminhos que possibilitem algumas saídas desse círculo vicioso do sofrimento, da violência, dos crimes, das corrupções e dos abusos de drogas. As vezes com o intuito de prevenir responsabilidades, acaba-se por monetizar as relações afetivas. São múltiplas as possibilidades de se tornar a vida mais humanizada, mais calorosa, mais significativa. Resgatar em nós a afetividade é uma dessas possibilidades construtivas. Se por um lado, a agressividade é parte integrante de nossa personalidade, por outro, dar e receber afeto são também marcas do humano.

No burburinho da vida cotidiana nutrimos a desculpa da pressa, e a impressão que fica é a de que o afeto vem sendo cada vez mais inibido em suas expressões, vem perdendo espaço em nossa vida, e até sendo maltratado com conotações de “coisa de menor importância”. Em consequência, deixamos largo espaço para as manifestações de violência na experiência humana. Passamos a nos defender do outro ao invés de amá-lo. Que descuidados fomos em relação a isso? Que imperativos da cultura transtornaram nosso modo de estar no Mundo e em relação com o outro? O afeto é o sentimento pelo qual tornamos o outro especial para nós, e pelo qual nos tornamos especiais para ele.

Como fomos desaprendendo essa fórmula, passamos a banalizá-lo, fazê-lo pouco importante em nossa vida. Esse descaso, esse desafeto, não será uma das razões do modo violento como se vive hoje? O outro, este ser que nos faz parceria no planeta Terra, não é um estranho simplesmente. Por sua própria humanidade ele é um semelhante, um igual a nós. Teríamos de converter nosso olhar sobre ele para que a harmonia e o afeto possam encontrar espaço entre nós. O modo como o olhamos, produz vínculos ou afastamentos. Um olhar é como um discurso. Comunica sempre. Diz, revela, condena, perdoa, acaricia ou pune. Pelo olhar, janelas da alma, escutam sua dor, sua alegria, sua inquietação, sua solidão, seu prazer. Um “civilizado perguntou a um índio por que eles andam nus. Ele respondeu-lhe; índio é todo rosto. Grande resposta. Pelo visto ele sabe a força do olhar. Na mostra banalizada dos corpos em nossa cultura, esquecemos que é pelo rosto que nos encontramos com o outro, que é pelo olhar que nasce o afeto. O deslocamento de nosso olhar para regiões “siliconadas”, como lócus de prazer, nos afasta do sentido humano de ver o homem todo. O afeto é um sentimento simples onde se acolhe o outro em sua inteireza, do jeito que ele é.

Desenvolver este tipo de sentimento faz bem a quem o dá e a quem o recebe. Da infância até a morte, o afeto é vital, e dá sustentação e sentido ao nosso conviver. Nas parcerias, há uma tendência a garantir a posse do outro, como se ele fosse um troféu, e não uma pessoa com quem se partilha afeto. Os “machões” dizem que afeto é coisa de mulher, ou de gente frágil. Talvez se privem do afeto em seu endurecimento, mas por fraqueza, por medo de fazer vínculos, de gostar de alguém. É mais fácil usar as pessoas. “A doçura, diz Sponville, é uma coragem sem violência, uma força sem dureza, um amor sem cólera”. Penso assim também o afeto, como uma força tranquila parecida com o amor. Os dias atuais clamam por mais afeto e menos violência. É preciso ensaiar de novo o amor, resgatar a afetividade, para que possamos ver os tons do arco-íris, o som da chuva, a poética da lua, a vida nos olhos do outro, a generosidade da flor que se abriu, a dor do irmão que sofre, a carência do filho que chora. Precisamos reaprender o exercício de pequenas expressões civilizadas e afetivas. Desarmar nossa internalidade e não ter vergonha de ser afetivo.

Sinto saudade dos abraços que não dei, dos afetos que não troquei, dos gestos que não foram feitos, dos afagos que economizei. A vida tem pressa e ontem já se foi. Repito apesar de ser enfadonho, mesmo sendo um mote meu, “A vida é um sopro”. Acho que já estou sendo tomado pelo espirito natalino.

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