Amor clandestino – por Carlos Santiago

Carlos Santiago é Sociólogo, Analista Político e Advogado

Quem nunca teve um amor clandestino que atire a primeira pedra, pensava o homem. A letra e a música de Belchior o levavam às lagrimas. A canção dizia: “Aí um analista amigo meu disse que desse jeito não vou viver satisfeito, porque o amor é uma coisa mais profunda que uma transa sensual. Deixando a profundidade de lado, eu quero é ficar colado à pele dela noite e dia, fazendo tudo e de novo dizendo sim à paixão, morando na filosofia”.


Num momento de tanta luta pela sobrevivência, de tanto choro pelas mortes de amigos vitimas da Covid-19, de pouco sorriso, de muito medo e de desesperança, aquele homem bem sucedido refletia sobre a sua vida e o amor que nunca assumiu em público.

Levava uma vida formal. Uma vida condicionada pelas convenções sociais. Um casamento, uma residência linda, filhos, árvores plantadas e livros publicados, além de respeitado profissional, depois de anos de dedicação aos estudos e ao trabalho, mas ele não estava feliz.

Deixou de ser ele mesmo, há muito tempo. Agia buscando agradar a religião, preocupava-se com os olhares dos vizinhos, silenciado ainda pelas conquistas materiais e pelo amor aos filhos, mas não desejava morrer sem voltar a dormir com a inquietude do coração e da alma.

Lembrara-se da vida do príncipe Charles, herdeiro do trono britânico, e do casamento dos sonhos com a princesa Diana, mesmo amando outra mulher. Não parecia ser feliz! Tinha tudo que um homem mortal precisava, só não tinha casado, primeiramente, com o amor que desejava, um amor secreto que guardou, por muitos anos, nas sombras da monarquia.

Ele não tinha a mesma armadura cultural de Charles e nem a coragem de Helena de Tróia, mas sabia que a liberdade e a decisão de ficar ao lado do seu amor clandestino seria experimentar uma nova vida, numa relação intensa, lírica e muito fora do padrão de seu mundo cotidiano, até aquele momento.

Mas ainda não conseguia responder para si mesmo uma complexa questão: é melhor uma vida tranquila, próspera, sem amor e sem incertezas ou um amor com toda intensidade, muito desejo e muitas incertezas? O seu escritor favorito, o theco Milan Kundera, diz que o amor não se manifesta pelo desejo sexual, mas pelo desejo do sono compartilhado. E isso perturbava ainda mais a mente do homem.

Um certo dia, ele acordou, olhou no espelho. Não era mais um jovem homem. As rugas estavam expressivas, a massa muscular ia diminuindo e os óculos ofuscavam os olhos castanhos. Sentiu-se mais velho e dentro de uma grande gaiola. Percebeu que não teria muito tempo de vida.

Precisava do amor clandestino. Queria sentir a mulher que lhe fez amanhecer querendo viver mais. Beijar as mãos da mulher que sempre tinha um sorriso no rosto e sentir a respiração dela em seus abraços.

Queria contar o conteúdo do livro que tinha acabado ler, da poesia que escreveu, da árvore que plantou naquela semana, do filme que pretendia assistir e da nova conquista profissional.

E, ainda, não pretendia mais viver uma relação sem graça, amparada por contrato formal, como vivem milhões de pessoas. Queria aquele amor para sempre, com toda intensidade e pecado, nada de sentimento clandestino. Ligou o veículo e saiu… não sabia até quando a sua decisão iria durar. Em outros momentos, tomara atitude semelhante que não chegou a se concretizar.

Carlos Santiago é Sociólogo, Analista Político e membro da Academia de Letras e Culturas da Amazônia.

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