

Com R$ 20 nas mãos, a indígena Creuzaldina Rodrigues, de 43 anos, comprou materiais para confeccionar uma boneca e tentar vender o artesanato no Centro de Macapá, como a única alternativa, segundo ela, para conseguir dinheiro para fazer os exames e consultas necessários no tratamento de câncer na garganta, doença diagnosticada recentemente.
O valor do procedimento ultrapassa R$ 3 mil e não teria sido ofertado na rede pública de saúde do estado, ainda de acordo com a indígena, que é descendente da etnia xavante e morava no município de Oiapoque, distante 590 quilômetros da capital, antes de mudar-se para Macapá.
Creuzaldina tem seis filhos que ficaram em Oiapoque para que ela viesse buscar ajuda no Instituto do Câncer Joel Magalhães (Ijoma), no bairro Alvorada, Zona Oeste de Macapá, onde está morando temporariamente. Ela conta com a ajuda de doações de pessoas que apoiam a entidade. Com a voz rouca e dificuldades para falar, a indígena conta que sempre ajudou no sustento da família com a venda de tapioca e artesanato, mas, recentemente, não tem dinheiro “nem para pagar o ônibus” para ir ao hospital.
“Meu marido trabalha no rio [com a pesca] e me deu R$ 200. Com esse dinheiro eu paguei o ônibus para vir até aqui e fazer o meu primeiro exame. Depois sobrou R$ 20 para fazer a boneca. Todo mundo achou muito bonito o meu artesanato, espero conseguir vender. O que eu não posso é morrer”, desabafou.
Os primeiros exames necessários para o tratamento da indígena foram pagos através de uma doação feita ao Ijoma. Porém, não há dinheiro para custear os novos procedimentos indispensáveis para o tratamento, segundo o diretor do instituto, padre Paulo Roberto.
“Não podemos tentar uma transferência [para outro estado] para ela porque não temos nada garantido aqui. Também não dá para encaminhar pacientes nessa situação dramática. Ela fala das coisas com ingenuidade, pois com a venda de bonecas só iria conseguir dinheiro para os exames em dois anos e ainda teria que pensar no tratamento específico, que não tem no nosso estado”, frisou.
O secretário adjunto de atenção à saúde, Denilson Magalhães, disse que a rede pública auxilia no tratamento de pacientes com câncer no Amapá. Ele ressalta que para que haja um acompanhamento médico integral é necessário que o tratamento inicie através do Sistema Único de Saúde (SUS) e não na rede privada.
“Para que o paciente possa receber um auxílio financeiro, ele precisa constituir um processo na rede pública. O Ijoma, quando faz esse procedimento na rede particular, está tratando o paciente nesta rede”, disse o secretário adjunto, acrescentando que pacientes com câncer iniciam o tratamento em no máximo 60 dias na rede pública do Amapá.
“Nós temos dificuldade na aquisição de equipamentos quimioterápicos, mas isso é no país inteiro. Já fizemos dois processos licitatórios e no último licitamos 32 medicamentos de quimioterapia, mas em dez itens não tivemos apresentação de propostas. Só no ano passado fizemos mais de 600 cirurgias para tratar a doença”, reforçou.
Angústia
Creuzaldina Rodrigues conta que desde a descoberta do câncer sente dificuldades para dormir e só consegue pensar em uma recuperação imediata. Em um receituário médico, ela fez o esboço da nova boneca que pretende confeccionar para vender e continuar o tratamento. A índia, porém, diz que não sabe como vai conseguir o recurso para comprar os materiais e fazer novos artesanatos.
“Em Oiapoque eu conseguia vender um pouco mais caro a boneca, mas aqui as pessoas compram por pouco mais de R$ 20. Não valorizam muito a minha arte, mas não tem outro jeito”, lamentou.(G1)