Avanti Popolo – Por: José Ribamar Mitoso

Professor José Ribamar Mitoso
Professor José Ribamar Mitoso
Professor José Ribamar Mitoso

Crítica de arte não existe. Sempre é um blefe, um sofisma. A objetividade não existe. Mesmo a relativa objetividade da ciência. Isto é impossível na interpretação de uma obra de arte. Os critérios de avaliação estética sempre são subjetivos, ideológicos. É possível o crítico descrever o gênero, a forma, o estilo, a linguagem, a técnica e a tradição estética, mas, mesmo assim, ficará nas bordas, na superfície.



Em arte, ao contrário da ciência, a água não ferve sempre em cem graus.

A arte é feita para emocionar, afinal! Leiam a orelha de qualquer livro. São simples propagandas de um produto para consumo. Sempre uma afirmação positivista: tudo positivo. Alguém falando bem de alguém do seu grupo. Meu amigo é um gênio…  a obra de fulano… segundo sicrano… Eu sei! Seria mais sincero transformar o que se chama crítica de arte em crônica sentimental.

Um afago. Uma declaração de amizade. Uma torcida pelo seu time de futebol ou de estética ou de política! Nos anos oitenta, em 1983, na lira dos meus vinte anos, em Manaus, comecei a participar do movimento cultural cineclubista. Neste período, o cineclube Humberto Mauro era coordenado pelo hoje cineasta, ator e professor de cinema André Piero Gatti. Viajamos juntos para jornadas nacionais, fizemos cursos de roteiro para cinema, estreitamos laços de cumplicidade e tornamo-nos camaradas na militância cultural clandestina do Partido Comunista Brasileiro.

Fizemos também, muitas traquinagens e malcriações. Organizamos o movimento cultural. Mas o que esperar de militantes culturais rebeldes e comunistas? Vejam bem! Quem organizou a Semana de Arte Moderna de 1922, ano da fundação do PCB? Quem era Patrícia Galvão, a Pagu? Quem era Oswald Andrade? O que dizia ele em seus manifestos estético-culturais Pau-Brasil e Antropofágico? Quem inventou a segunda geração modernista? Quem introduziu a estética do realismo crítico no Brasil? Jorge Amado? Graciliano Ramos? Cacau? Suor? No país do Carnaval? Capitães da Areia? Subterrâneos da Liberdade? O Velho Graça? São Bernardo? Vidas Secas? Memórias do Cárcere? E a terceira geração modernista?

Quem compunha a redação do jornal Voz da Unidade, Voz do Povo? Quem escreveu o Poema Sujo? Quem era Ferreira Gullar? Quem eram os irmãos Campos? Luta de Classes na poética e na poesia? Quem inventou a moderna arquitetura brasileira, inclusive suas imperfeições? Quem era Oscar Niemeyer? Quem era Vilanova Artigas? Quem fez o traço e as curvas no concreto armado? E o teatro brasileiro no século XX? Quem eram Gianfrancesco Guarnieri, Oduvaldo Viana Filho, Dias Gomes e Carlos Estevam? Qual grupo ultrapassou as estéticas do teatro de entretenimento e do teatro da crítica de valores? Qual grupo tirou o teatro do Em- Si e o tornou Para-Si ? Quem criou o teatro épico da tomada de consciência social? E a televisão? E a teledramaturgia? Quem introduziu o realismo cômico-fantástico na teledramaturgia brasileira?

Quem criou o impagável Odorico Paraguassu, sua personagem mais emblemática? e o senhorzinho Malta , símbolo do latifúndio e do agronegócio ? e a viúva Porcina, ricaça fogosa e sexualmente desmedida? e o professor sonhador e místico Astromar Junqueira? Dias Gomes? e quem inventou a crítica social da Grande Família? O que significou para o teatro e para a televisão brasileira a obra de Oduvaldo Viana Filho, o Vianinha?

Vamos voltar ao cinema. Quem inventou a estética realista-crítica no cinema brasileiro? Cinema Novo…  foi assim que o chamaram ? Rio 40 Graus: Nélson Pereira dos Santos! . Macunaíma: João Batista de Andrade! Eles não usam Black-tie: Leon Hirszman! E os documentaristas? O País de São Saruê e O Evangelho Segundo Teotônio : Wladimir Carvalho! Jango: Sílvio Tendler! É isto que chamam Arte Proletária? É isto que chamam Arte de Vanguarda ? É isto que chamam Arte Revolucionária? Isto é: transformar a forma estética e a linguagem de um conteúdo transformador…  é esta a ética da estética do artista revolucionário?

Carlos Reichenbach

O PCB não é mais a referência política da luta de massa dos trabalhadores brasileiros. Mas a tradição estética dos trabalhadores do século XX ficou como lição! Retornando ao início: por tudo isto é que eu não posso escrever uma “crítica de arte“ sobre o filme Avanti Popolo, com roteiro e direção de Michael Wahrmann. Os atores são Carlos Reichenbach, inventor do chamado cinema marginal, e André Gatti, meu camarada e cúmplice no movimento cineclubista de Manaus, nos anos 80.

Pelo vínculo afetivo e político, posso digitar, no máximo, uma crônica sentimental. Fica mais honesto. Não me interessa se a obra ganhou o prêmio de melhor direção no Festival de Berlim ou de melhor filme no Festival de Brasília e muitos outros prêmios mais. Não acredito em prêmios, embora eu seja um dramaturgo bastante premiado.

Não me interessa também os elogios da grande imprensa. Não é o caso, mas sempre fica parecendo propaganda de um produto cultural do mercado. Como os prêmios e os factóides midiáticos da indústria cultural. Mercadoria sendo carimbada para agregar valor no consumo final. Como disse no início, crítica de arte não existe. Existe crônica sentimental sobre uma obra.

André Gatti

Sou pós-graduado em Estética e Filosofia da Arte, um curso para formar críticos profissionais. Sei muito bem do que estou falando. Conheço o André Gatti na sua intimidade estética, política e existencialmente e isto basta. Em um dos cartazes há uma promoção especial: comunista não paga ingresso! Por isto esta crônica sentimental antecipada e marcando os valores estéticos com os quais assistirei o filme. Cada plano um olhar estético-político de uma tradição. Vou sair para assistir o filme! Beijo na Rosana e na família, André!

* José Ribamar Mitoso é: Escritor, Dramaturgo e Professor da UFAM

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