Bárbaro e Nosso! Por: José Ribamar Mitoso

O quadro de Tarsila do Amaral intitulado Antropofagia é considerado um dos grandes representantes do Modernismo Brasileiro.
O quadro de Tarsila do Amaral intitulado Antropofagia é considerado um dos grandes representantes do Modernismo Brasileiro.

Eu sei muito bem que a relação entre o artista e seu público ultrapassa qualquer convenção e qualquer entendimento. Já senti isto na pele. Esta relação é mágica, no sentido de louca, desparafusada, surpreendente, sem lógica e despadronizada, em certo sentido.
Por vezes, contudo, esta relação entre a arte e o público ultrapassa qualquer bom-senso e torna-se mesmo inexplicável, ridícula e até mesmo violenta. Certa vez, em uma festa na embaixada brasileira nos Estados Unidos, ao ouvir o Hino Nacional Brasileiro, o embaixador americano pensou que fosse um gênero musical tupiniquim e convidou a embaixatriz brasileira para dançar.


O embaixador brasileiro, surpreso e aborrecido, fez o mesmo com a embaixatriz americana. O caso quase terminava em incidente diplomático, não fosse a sensibilidade do maestro que encerrou rapidamente a execução do hino.
Ainda nos Estados Unidos da América, um pintor abstracionista fez uma exposição de quadros tematizando a cor branca na vida. Segundo ele, seus quadros, todos brancos, eram expressões da neve, do açúcar, do leite e até da paz.

Um maluco, e nestas horas sempre aparece um, acreditou que era uma exposição de arte conceitual , mas não inspirada no abstracionismo. Pensou que o conceito fosse de arte-objeto-participativa, segundo o qual o expectador não é passivo, mas participante. Por isto, querendo colaborar, tirou um pincel do bolso e começou a assinar seu nome nos quadros, acreditando ser uma espécie de “lista de presença artística”.

O artista-autor da abstração chamou a polícia e, mais uma vez, a recepção de uma obra de arte foi resolvida em outra esfera.

Terra Sem Males.
Terra Sem Males.

O Brasil é um país especialmente interessante em exemplos como estes. Por aqui, a coisa é mais louca e descabida ainda. Nos trópicos, o espírito metonímico brasileiro, na canibalização da arte, costuma substituir a obra pelo artista. Raul Seixas, certa vez, retirou sua barba e foi fazer um show de “cara limpa”. O público, ao invés de ouvir sua música e identificá-lo pelo estilo, começou a hostilizá-lo, apedrejá-lo e espancá-lo, pensando tratar-se de um sósia, e Raulzito, ferido pela estupidez, terminou a noite em um hospital! Pouco depois morreu. E a mesma multidão, em um dos mais populosos enterros da história do Brasil, começou a sacralizá-lo, tornando-o um dos mais cultuados ícones da arte mundial!

O Brasil é muito louco! E a repressão política capitalista tem o ego frouxo! Todo pintor Cubista no Brasil, foi acusado de defender Cuba e Fidel. Picasso e outros Cubistas europeus, inventores do estilo, não foram responsabilizados por isto. Muito menos a cultura Indígena Marajoara, no Pará, que há três mil anos, antecedeu os vanguardistas europeus com sua cerâmica geométrica e multicolorida. Seriam os Marajoaras comunistas?

Isto ainda no Pindorama, terra sem males dos Tupi(s), antes da colonização trazer o canhão! Ainda éramos Bárbaros e Nossos, como nos definiu Oswald de Andrade, no Manifesto Pau-Brasil! Ainda canibalizávamos o Bispo Sardinha e a colonização e não a nós mesmos. A arte ainda era filha do mito e do gavião de penacho. Como no Manifesto Antropofágico. Isto é, Segundo Oswald: “Nunca fomos catequizados. Fizemos foi o Carnaval. O índio vestido de senador do Império.

José Ribamar Mitoso
José Ribamar Mitoso

Fingindo de Pitt. Ou figurando nas óperas de Alencar cheio de bons sentimentos portugueses. Já tínhamos o comunismo. Já tínhamos a língua surrealista. A idade de ouro. Catiti Catiti Imara Notiá Notiá Imara Ipeju. A magia e a vida. Tínhamos a relação e a distribuição dos bens físicos, dos bens morais, dos bens dignários. E sabíamos transpor o mistério e a morte com o auxílio de algumas formas gramaticais.

Não tivemos especulação. Mas tínhamos adivinhação. Tínhamos Política que é a ciência da distribuição. E um sistema social-planetário. As migrações. A fuga dos estados tediosos. Contra as escleroses urbanas. Contra os Conservatórios e o tédio especulativo. De William James e Voronoff. A transfiguração do Tabu em Totem. Antropofagia.

Somos concretistas. As ideias tomam conta, reagem, queimam gente nas praças públicas. Suprimamos as ideias e as outras paralisias. Pelos roteiros. “Acreditar nos sinais, acreditar nos instrumentos e acreditar nas estrelas”. Oswald de Andrade, Em Piratininga, Ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha, Revista de Antropofagia, Ano I, No. I, maio de 1928. José Ribamar Mitoso, Em Manaus Ano 460 da Deglutição do Bispo Sardinha www.correiodaamazonia.com.br, Maio de 2014.

*José Ribamar Mitoso é: escritor, dramaturgo e professor da UFAM

 

Artigo anteriorMaior exposição sobre a vida de Salvador Dalí chegou ao Rio
Próximo artigoProjeto Baja da UEA promove competição entre universitários de todo o Brasil

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui