Bolsonaro é o mesmo, mas diferente daquele que prometeu ser antes do 7 de Setembro

Bolsonaro sabe que se aproxima do ponto do tudo ou nada - Foto: recorte/recuperada

“O ano termina com Bolsonaro sendo o mesmo Bolsonaro, mas não sendo nada parecido com o que prometia ser até aquele 7 de Setembro”, avalia Moisés Mendes.


Todos sabiam, inclusive os que não queriam saber, que aquele 7 de Setembro na Avenida Paulista seria o penhasco à espera de Bolsonaro. O sujeito se jogou, enganado pela histeria da massa de verde-amarelo que o puxava para baixo, e deu no que deu.

Michel Temer o salvou pelos cabelos e o aconselhou a escrever a cartinha a Alexandre de Moraes. Chegavam ao fim os blefes de golpe que por muito tempo atiçaram civis e militares.

O ano termina assim, com Bolsonaro sendo o mesmo Bolsonaro, mas não sendo nada parecido com o que prometia ser até aquele 7 de Setembro.

Bolsonaro desafia a Anvisa, ataca o almirante que a comanda, afronta os técnicos da agência, condena a vacina para crianças (apostando sempre, se algo der errado, no “eu avisei”) e volta a investir contra os governadores, mas sem que nada signifique um passo adiante e uma ameaça de ruptura. Tudo é circular e mais do mesmo.

O blefe do golpe era o ensaio de algo que poderia arrebentar tudo, sem conserto, e que outra coisa substituiria o ambiente institucional que temos hoje. Que coisa? O blefe era a coisa, como meio e como fim.

Desde a cartinha não há mais clima para blefe.

Há um esforço para avisar, em várias frentes, que a aposta agora é a formação de uma base bélica. Com policiais, milicianos profissionais e amadores e os cidadãos de bem que tiverem espingardas, fuzis e algum trabuco em casa.

Bolsonaro já não sabe se poderá esculhambar com a eleição, tem quase certeza de que não pode contar com os militares, daqui a pouco não contará mais com o centrão, mas imagina que poderá dispor do apoio de uma estrutura paramilitar.

Tem quem acredite nisso, que Bolsonaro oferece mimos às polícias certo de que terá sua base armada, quando for preciso.

Mas quando? Depois que perder a eleição?

Será que Bolsonaro acredita mesmo que contará com gente armada para defendê-lo, se levar 7 a 1 de Lula e não tiver como convencer que foi logrado pelas urnas eletrônicas, pela apuração ou por uma conspiração do TSE com o general Fernando Azevedo e Silva?

Bolsonaro até pode acreditar.

Mas é dureza ler alertas de todo tipo, inclusive de analistas de esquerda, sobre a ameaça do bolsonarismo armado, que poderia transformar o país num faroeste em 2022, antes ou depois de Lula ser aclamado presidente.

A estratégia de Bolsonaro é básica e precária. Manter as bases eleitorais da arrancada de 2018, fidelizar e alargar o sentimento de extremismo e chegar ao segundo turno para o que der e vier.

Na cabeça do genocida, podem se repetir contra Lula os mesmos desatinos e os mesmos desfechos da eleição contra Haddad.

Se não der certo, e as pesquisas anunciam até agora que não tem como dar, alguma coisa deve acontecer. A apuração seria empastelada por fake news em massa, e as milícias que ele pensa formar até lá entrariam em ação.

Se um homem com um par de guampas liderou a invasão ao Capitólio, alguém com um par de orelhas do Mickey ou do Olavo de Carvalho poderia invadir o Congresso e, quem sabe, até o Supremo.

O mais provável é que não tenhamos nada parecido e que Bolsonaro vá se desmanchando, enquanto caminhamos em direção à campanha pra valer.

Quando chegar ao ponto sem retorno, Bolsonaro ficará arriado no meio da estrada como o Chevette rebaixado da extrema direita, com radiador amarrado com arame, pneus carecas, portas batendo e a descarga largando fumaça.

O ponto de ruptura de Bolsonaro pode ser este, o que o encaminhará finalmente para um brete, de onde não mais poderá voltar, porque não haverá a chance de uma segunda cartinha.

O que alguns enxergam como o ponto de ruptura para o país, com a radicalização dos gestos sem controle de Bolsonaro, seria na verdade o ponto de ruptura para ele mesmo e para o fascismo.

Se seguir em frente, Bolsonaro chegará ao ponto de não-retorno. É o seu dilema hoje. Calcular até onde pode ir e onde poderá parar ou fazer a volta, se é que haverá a opção de voltar.

Nesse contexto de incertezas, a construção de uma base armada imaginária apresenta-se como o novo blefe de Bolsonaro.

Um blefe que ele carregará até onde der, para depois abandonar pelo caminho, como já fez com muitos parceiros que juraram de joelhos a honra da lealdade.

Este artigo representa a opinião e responsabilidade do colunista.

Moisés Mendes
Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.

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