Chocolate com açaí e tapioca: Páscoa ganha sabores da Amazônia

Ovos de Páscoa ganham versão amazônida: embalagem de cerâmica indígena — Foto: Divulgação

Uma das iguarias mais populares do mundo ganha um sabor inigualável no Pará. Produzido com cacau selvagem da floresta, o chocolate combina com açaí e tapioca. No lugar de embalagens de papel e fita colorida, os ovos de Páscoa vêm guardados dentro de peças de cerâmica indígena: versões bem brasileiras do tradicional símbolo da festividade cristã, com ingredientes nativos da Amazônia.


Toda essa inventividade revela caminhos para a valorização da cultura alimentar do estado, que é a terra do açaí e também do chocolate. O Pará é o maior produtor de cacau do país. São mais de 144 toneladas ao ano, o que corresponde a 52% da produção nacional, segundo o Ministério da Agricultura.

Mantido e cultivado por famílias ribeirinhas, comunidades indígenas e quilombolas, o cacau nativo do Pará tem atraído prêmios internacionais e a atenção de especialistas em gastronomia de diversos países, fazendo da região o novo terroir de chocolates finos do Brasil.

Sabor selvagem

O cacau surgiu na Amazônia — Foto: Divulgação

No Pará, o cacau nasce às margens da Bacia Amazônica, local de maior variabilidade genética do fruto, o que resulta na diversidade do cacau e mesmo na possibilidade de existência de variedades ainda desconhecidas ou pouco exploradas, capazes de produzir sabores exclusivos. “Ainda pode-se, na Amazônia, encontrar cacau nativo ou selvagem, ou seja, árvores de cacau naturalmente perpetuadas pela natureza”, destaca Luciana Centeno, doutora em engenheira de alimentos.

Além da singularidade do sabor, há outros aspectos que envolvem a cadeia produtiva do chocolate na Amazônia, que contam com a participação de comunidades tradicionais, quilombolas e indígenas, e busca de inovações para preservar o meio ambiente e valorizar a identidade cultural e gastronômica da região.

“Essas singularidades tornam o Pará o novo terroir de chocolates do país. O mercado de especialidades alimentícias valoriza muito os aspectos de raridade, exclusividade, pureza, e qualidade de manejo e beneficiamento de matérias-primas, sobretudo quando capazes de promover desenvolvimento regional sustentável”, diz Centeno.

Todos esses fatores colocaram o estado em destaque no cenário global. Em 2021, a Chocolates De Mendes, empresa paraense, foi eleita a startup do ano pelo Fórum Mundial de Bioeconomia. O título deriva de uma longa trajetória. No ramo há 17 anos, César de Mendes é um dos mais antigos nomes no setor de chocolates artesanais do Pará e já expôs, como convidado, em salões de chocolate em Milão e premiado em Paris.

O sabor do cacau varia de acordo com seu local de cultivo — Foto: Divulgação

Para essa Páscoa, De Mendes aposta nos ovos de chocolate amazônico embalados em cerâmicas marajoaras entalhadas à mão por artesãos de Santa Bárbara do Pará e Icoaraci. Há também uma extensa variedade de barras de chocolates, cada uma delas com um sabor singular que varia de acordo com sua área de cultivo; além de bombons com café Apuí, colhido no Amazonas, castanha-do-Pará com flor de sal e puxuri, que é uma noz-moscada de origem amazônica.

Acho que o que mais impacta e me dá satisfação é agregar valor na Amazônia, contribuir para que a gente deixe de ser apenas exportadores de matéria-prima, e para que possamos desenvolver produtos de alta qualidade sensorial, de acabamento, e de grande riqueza cultural”
— diz De Mendes.

Da floresta para o mundo

Filho de mãe quilombola e pai ribeirinho, César de Mendes é pesquisador e professor na área de química, em Belém. “O meu envolvimento com os sabores da Amazônia surgiu por causa da minha ancestralidade. Minha mãe fazia chocolate no quintal de casa”, conta.

Mendes relata que descobriu uma espécie de cacau selvagem no Rio Jari, em uma de suas expedições entre o Pará e o Amapá, sua terra natal. Ele, então, muda-se para o sul, para estudar chocolateria gourmet em Canela (RS).

De Mendes ao lado de indígenas Yanomamis — Foto: Divulgação

Hoje, ele exporta para países da Europa, Estados Unidos e vende seus produtos a diversos estados do Brasil. Mas esse caminho começa dentro da floresta. As amêndoas de cacau são fornecidas por comunidades indígenas, quilombolas, caboclos, ribeirinhos e agricultores familiares.

“São ao menos cinco etnias indígenas: Yanomamis, Sanoma, Yekwana, Surui e Ashaninka; além de grande quantidade de ribeirinhos no Baixo Tocantins, do Acará, Araguaia, Moju”, conta César, que atualmente produz cerca de 300 quilos de chocolate em barra por mês.

A empresa existe desde 2005. Mas a partir de 2013, passou por uma reformulação profunda. O empresário conta que se tornar um empreendedor sustentável não foi necessariamente uma opção, mas algo que foi construído no processo de aprendizado do próprio trabalho. Em busca de um diferencial de mercado, De Mendes buscou se associar à Amazônia “enquanto marca internacionalmente reconhecida”. “Entendi que até então não havia nada no processo de produção da minha empresa que aludisse à Amazônia. Quis buscar essa identidade. Da forma que a gente conhece, o chocolate é algo europeu, já que o chocolate em barra foi desenvolvido lá. Mas o cacau, na verdade, é um fruto originário da Amazônia, e remonta, como bebida, à tradição asteca e inca, que consome o chocolate líquido há 9 mil anos. Então comecei a pesquisar onde eu encontraria o nosso cacau nativo”, relata. “Fiz expedições sozinhos, na floresta. O cacau selvagem precisaria estar em lugares muito isolados, sem trânsito de pessoas, caso contrário, ele entra em hibridação e perde a pureza genética. Então fui atrás de comunidades tradicionais para serem parceiras”, conta.

Atualmente, 5 mil pessoas de comunidades tradicionais são impactadas diretamente pelo trabalho, que também ajuda a manter em pé 1,200 milhão de hectares de floresta. “Incorporamos todos esses valores ao nosso trabalho: a parceria com comunidades tradicionais, o cacau nativo, responsabilidade, valorização cultural e preço justo pago às famílias extrativistas, quilombolas e indígenas. Isso que nos coloca em posição de destaque em relação a negócios similares”, orgulha-se César.

Chocolatier Fábio Sicília e sua criação para a Páscoa: a Cripioca — Foto: Divulgação

Made in Amazônia

Na busca de unir a exclusividade da biodiversidade paraense com o alto padrão do cacau, o chocolatier Fábio Sicília criou a Gaudens em 2007. Para ele, o ato de verticalizar a produção local, desde a seleção dos ingredientes, permite acompanhar os produtores responsáveis, gerando equidade econômica e social.

Se trata de uma produção artesanal com critérios rigorosos de qualidade. Fomos a primeira empresa brasileira a ter um certificado vegano por análise de DNA”
— contou.

Com a ideia de valorizar o que é do Pará, Fábio vai além do tradicional e agrega frutas e amêndoas paraenses aos chocolates, que evidenciam a regionalidade em todo o processo de fabricação e nos sabores, que aliam o cacau com a farinha de tapioca, o cumaru — conhecido como a ‘baunilha da Amazônia’, a castanha-do-pará e até mesmo o açaí.

“Quando lançamos o nosso chocolate crocante, decidimos substituir o tradicional floco de arroz por farinha de tapioca e registrar este produto como Cripioca. Nesta Páscoa decidimos desenvolver um ovo que fosse feito deste nosso produto, e assim nasceu o ovo de tapioca”, explica o chocolatier.

Chocolate com açaí — Foto: Divulgação

Fábio revelou ainda que os sabores paraenses da Gaudens conquistaram o público em diversos lugares do Brasil, mostrando que o mercado para além do Pará também aprecia os ingredientes regionais da Amazônia.

“Criamos o creme de castanha-do-Pará com cacau: a Castella, produto vendido nas lojas mais sofisticadas do país, também incorporamos o cupuaçu desidratado ao chocolate em forma de barra”, explicou.

g1/Pará

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