Clube da Madrugada: 60 anos e o diálogo entre gerações – por José Ribamar Mitoso

Um diálogo, por exemplo, entre eu e o poeta Jorge Tufic.
Um diálogo, por exemplo, entre eu e o poeta Jorge Tufic.

Não sei com outras pessoas, e sempre faço questão de dizer isto porque o mundo não se resume ao universo de quem escreve, mas minha relação com o Clube da Madrugada, sobretudo, com os colegas escritores, caracterizou-se por um saudável diálogo entre gerações. Minha relação com a Geração Madrugada, no fundo, foi e é um diálogo entre um movimento estético-cultural dos anos 50 e um movimento estético-cultural dos anos 90/2000. Um diálogo entre movimentos, apenas. Sem o Estado e sem o mercado. Um diálogo, por exemplo, entre eu e o poeta Jorge Tufic, um diálogo entre dois escritores, que escreveram dois livros, sobre dois movimentos culturais, de duas gerações.


São dois livros escritos por quem viveu por dentro, como protagonistas culturais ativos, movimentos culturais decisivos em suas gerações. Na história dos movimentos culturais no Amazonas no século XX, nada traduz melhor este diálogo que a relação entre o livro Clube da madrugada – 30 anos, publicado por Tufic em 1983, e Os Artistas de Março – Um Movimento Artístico na Amazônia, publicado por mim em 2005/2006.

Quando escrevo que não apenas foi, mas é um diálogo atual entre gerações, posso citar o fato de, em 1989, ter feito o prefácio do livro Amazonas: O Massacre e o Legado, do poeta Jorge Tufic, e este livro ter saído apenas agora, depois de 2010, mais de vinte anos depois. Posso também citar que esta relação entre gerações se mantém viva no prefácio que o poeta Tufic fez para meu livro de contos Manaus Inc, Contos Amazônicos na Desglobalização, que sairá em breve.Nesta relação, porem, o tempo faz curva: que importa eu ter 51 anos e o poeta Tufic ser um oitentão?

Todavia, minha relação com o a geração Madrugada foi mais profunda e envolveu outros fatos estéticos, políticos e pessoais. Não custa nada desvelar este lado da viagem da Boiúna para os leitores de fora da Amazônia.

O Clube da Madrugada foi um movimento cultural fundado no Amazonas em 1954. Portanto, o Clube foi fundado nove anos antes de eu nascer, em 1963. Por isto, é óbvio, não fiz parte desta geração de artistas e intelectuais que o fundou. Mas estudei sua história, sua organização e suas estéticas. Melhor: minha geração passou a se relacionar com a Geração Madrugada.

Clube da Madrugada, uma associação literária e artística brasileira fundada no dia 22 de novembro de 1954.
Clube da Madrugada, uma associação literária e artística brasileira fundada no dia 22 de novembro de 1954.

Nos anos 90, fui o membro de minha geração que manteve um diálogo político e estético com alguns de seus remanescentes, especialmente com Arthur Engrácio, Anthístenes Pinto, Jorge Tufic, Anísio Melo e Luiz Bacellar. Junto com eles , e com alguns companheiros da minha geração, fundamos a Cooperativa dos Escritores e, depois, o Sindicato dos Escritores do Amazonas, do qual fui presidente. Arthur Engrácio, pela editora da Cooperativa dos Escritores, editou meus dois primeiros livros. Sou grato ao acolhimento recebido desta geração. Com os escritores da geração Madrugada aprendi muito de literatura, mas muito mais ainda sobre o que é ser escritor. São coisas diferentes.

“A cada bela impressão que causamos, conquistamos um inimigo. Para ser popular é indispensável ser medíocre “.
Oscar Wilde

Creio que , de fato, a Geração Madrugada foi a mais criativa e organizada geração de artistas amazonenses. Alcançou todas as formas artísticas, todos os gêneros , todas as linguagens e todos os estilos do modernismo brasileiro. A literatura, o teatro, as artes visuais, o cinema, o lírico, o épico, o trágico, o cômico, o dramático, a figuração, o coloquialismo, o formalismo, o impressionismo, o expressionismo, o cubismo, o fauvismo, o abstracionismo, a arte-objeto, a instalação, o fantástico, o mágico, o nativismo modernista , o neo-simbolismo, o realismo crítico, o realismo proletário, o realismo dos folclores regionais…

Foi uma geração que, desde os anos cinqüenta, influenciou a criação de órgãos estatais de cultura e de políticas culturais. Esta geração criou e administrou a antiga Fundação Cultural. Geriu a Imprensa Oficial e a transformou em um órgão a serviço da literatura e do jornalismo social.

 

Foi um movimento singular na história do Brasil e da humanidade

Esta geração de criadores culturais dos anos 50 serviu de ponto de partida para a geração dos anos 60 e 70, especialmente sua característica de ser um movimento não institucional . Os grupos de teatro que organizaram movimentos culturais nos anos 70, propuseram uma nova forma estética e uma nova direção política. Mas vou manter o texto focado nos sessenta anos do Clube.
Nos anos 80, 90 e 2000, minha geração avançou no debate estético, criou o teatro do indígena na cidade e no presente, fortaleceu a estética do absurdo, ganhou mais prêmios nacionais que qualquer outra geração e organizou o primeiro movimento cultural da Amazônia que influenciou uma política cultural do Estado brasileiro. A lei 12.343, de 2010, que criou o novo Plano Nacional de Cultura e a estrutura da nova política cultural do país , teve como embrião o movimento cultural de minha geração.

Livro de autoria do escritor José Ribamar Mitoso, também autor desse levantamento histórico.
Livro de autoria do escritor José Ribamar Mitoso, também autor desse levantamento histórico.

De qualquer modo, os dois livros citados marcam a história dos movimentos culturais no amazonas nos últimos sessenta anos. Citá-los não é proibido!
1) Clube da Madrugada – 30 anos ( 1983), do poeta Jorge Tufic, sobre as primeiras três décadas da história do Clube da madrugada , da história de sua geração de criadores e da todos que iniciaram o fazer artístico nos anos 50.
3) Os Artistas de Março – Um Movimento Artístico na Amazônia, de minha autoria. Neste meu livro, uma coletânea de ensaios e artigos, tento mostrar a diferença estética e política entre a minha geração de criadores, que começou seu fazer artístico nos anos 80 e 90, e as geração anteriores. O interessante é que embora sucessivas, estas gerações, numa bela jogada do destino, permanecem simultâneas.
O poeta Jorge Tufic, assim como eu, certamente tem consciência das características da história da humanidade , do Brasil e da Amazônia. As transformações artísticas e os movimentos culturas do Amazonas certamente estão muito além do que estes dois livros revelam. Qualquer escritor tem consciência que seu esforço intelectual de síntese sempre é limitado e nunca deve pretender o absoluto. Isto é uma tolice ! De qualquer modo, estes dois livros revelam , pelo menos, uma versão dos movimentos culturais do Amazonas, da Amazônia e do Brasil, pelo ângulo dos habitantes das terras da grande floresta.
Sou grato a geração do Clube da Madrugada . Como disse, esta geração me ensinou a diferença entre a literatura, como ato de escrever, e o ser escritor, como arte de viver!
Todavia, a democracia comporta o múltiplo e o plural. Esta é a grandeza da vida democrática. Seria monótona a vida em uma ditadura cultural e estética.
Viva os 60 anos do Clube da Madrugada!

*José Ribamar Mitoso é Escritor, Dramaturgo, Professor da UFAM e Cronista Dominical do Correio da Amazônia

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