Como sanear as contas públicas – por Odilon Guedes

Foto: Recorte

O ministro Fernando Haddad tem sofrido enorme pressão do mercado financeiro para realizar cortes no orçamento e assim controlar o déficit e a dívida pública, sem aumento de impostos. O último fato da queda de braço é a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom), por unanimidade, de manter a taxa básica de juros (Selic) em 10,5% ao ano.


No comunicado, o colegiado do Bacen afirma que monitora com atenção como os desenvolvimentos recentes da política fiscal impactam a política monetária e os ativos financeiros. Ainda reitera que uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente influenciando a política monetária.

Nesse contexto cabe fazer algumas perguntas. O que seria uma política fiscal crível? Cortar os gastos onde? É possível aumentar tributos sem prejudicar a classe média e a população de baixa renda?

A maior parte do povo brasileiro vive numa situação precária, dependendo de políticas públicas. Para motivos de mensuração, 160 milhões de brasileiros não têm plano de saúde e se utilizam do SUS. Mais de 80% dos estudantes, antes de entrarem na faculdade, estudam em escolas públicas.

O salário-mínimo atual é de R$ 1.412,00, valor que não garante a sobrevivência durante o mês. Segundo o DIEESE, baseado no Art. 7º, item IV da Constituição Federal esse salário deveria ser, em maio passado, de R$ 6.946,37. São cerca de 26, 3 milhões de aposentados e pensionistas que recebem um salário-mínimo por mês. De acordo com o IBGE, 65,6 milhões de trabalhadores ocupados recebem até 2 salários-mínimos.

Agora, poucos anos da última, começa a aparecer indícios da necessidade de uma nova reforma da previdência. O presidente do TCU Bruno Dantas em entrevista, diz que será preciso uma nova mudança, começando pelos militares. A realidade dos dados demonstra que o déficit para a previdência de um trabalhador que não seja da área pública é de R$ 9,4 mil por ano. Isso significa que os 33,5 milhões de trabalhadores aposentados pelo INSS representam um déficit de R$ 315 bilhões.

Por sua vez, o déficit de um militar aposentado ou pensionista é de R$ 159 mil, 17 vezes a mais do que o do INSS. São 315 mil militares nessa situação que representam um déficit total de R$ 49,7 bilhões. É importante lembrar que o militar é o único servidor público que se aposenta com salário integral, diferente dos demais trabalhadores brasileiros.

Outro setor extremamente privilegiado é o Poder Judiciário. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, a despesa com esse Poder em 2023 somou R$ 132,0 bilhões, a mais alta do mundo em relação ao PIB. Cada magistrado custa em média R$ 68,1 mil, R$ 24 mil a mais do que o salário de um ministro do STF.

Baseado no Art. 3º da Constituição Federal “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil – Item III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”, e nos dados acima, é possível indicar onde os cortes na área pública devem ser feitos.

Em relação ao aumento de tributos, estudos apresentados recentemente pelo IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação) relacionam a carga tributária em relação ao PIB de 30 países. Dessa relação 23 têm cargas maiores que o Brasil, dos 7 restantes, 3 têm praticamente a mesma carga que a nossa, de 32,39% do PIB.

Analisando o estudo do IBPT, é possível fiscalizar, criar e aumentar os tributos levando em consideração outros países. É importante ressaltar que esse aumento não pode prejudicar a classe média e a população de baixa renda, mas deve ocorrer sobre a parcela da sociedade que têm condições de contribuir para o controle do déficit público.

Para entender melhor essa afirmação, cito dois exemplos ilustrativos. O primeiro é o Imposto Territorial Rural – ITR. Esse tributo arrecadado em todo o ano de 2022 e em todo o Brasil somou R$ 2,7 bilhões. O valor é menor do que a arrecadação da subprefeitura de Pinheiros, uma das 32 da cidade de São Paulo, que foi de R$ 2,8 bilhões no mesmo período, algo inacreditável. O aumento desse imposto, tendo como referência os EUA, elevaria sua arrecadação para cerca de R$ 60 bilhões.

Outro exemplo é a respeito da cobrança de Imposto de Renda sobre a distribuição de lucros e dividendos, hoje inexistente no país. Se aplicarmos o percentual que ocorre para quem aplica em títulos do tesouro, haveria um aumento de arrecadação de cerca de R$ 70 bilhões.

Há caminhos e formas de enfrentar os problemas do déficit e da dívida pública. Mas todos exigem, além de capacidade técnica, determinação política.

Odilon Guedes – Economista, Mestre em Economia pela PUC/SP. Professor Universitário e Vice-Presidente do Conselho Regional de Economia SP.
Foi Vereador e Subprefeito na cidade de São Paulo. Autor do livro Orçamento Público e Cidadania (Editora L. Física)

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