Conheça a ave brasileira que tem o canto mais alto já registrado

Araponga-da-amazônia: pássaro não só tem o canto mais alto - Foto: Divulgação/Anselmo D'Affonseca

Uma pequena ave, com cerca de 30 cm da ponta do bico à da cauda, pesando em torno de 220 g (mais ou menos do tamanho de um pombo urbano) surpreendeu os pesquisadores que a estudaram recentemente: é o animal que emite o som mais alto entre todos os que vivem no planeta — pelo menos dos que se tem registro.


Trata-se da araponga-da-amazônia (Procnias albus), espécie comum em Roraima e no Pará, cujo canto pode atingir 125 decibéis (dB). Um pouco menos que uma turbina de avião a jato, que chega a 140 dB. Mais do que um show de rock (até 120 dB), serra elétrica (110 dB), furadeira (100 dB) e rua com tráfego intenso (85 dB).

A descoberta foi feita pelos pesquisadores Mario Cohn-Haft, do Departamento de Biodiversidade (COBIO) e Coleções Zoológicas – Aves, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). E Jeff Podos, professor de biologia da Universidade de Massachusetts e autor principal do artigo, publicado nesta segunda (21), na revista científica “Current Biology”.

O trabalho que levou ao achado começou em 2017, quando Cohn-Haft coletou, na Serra do Apiaú, de 1.500 metros de altitude, no município de Mucajaí, em Roraima, um exemplar da araponga-da-amazônia para estudos.

A captura do pássaro fazia parte de um estudo da fauna de serras e montanhas isoladas da Amazônia, que nunca havia sido pesquisada antes.

Uma araponga-da-Amazônia fêmea; quando elas estão por perto, eles cantam mais alto – Foto: Divulgação/Anselmo D’Affonseca

“Queríamos ter um exemplar dessa araponga, para estudar as características especiais da espécie”, explica Cohn-Haft.

“Desde aquela pelanca que ela tem pendurada no bico, que é muito doido, até as estruturas internas, algumas delas relacionadas à produção de sons. Eu esperava encontrar uma siringe, que é a caixa vocal e parte do aparelho respiratório, excepcional, bem desenvolvida, mas não imaginava que ela teria uma musculatura abdominal tão extraordinária.”

Músculos ‘de quem malha’

Ele conta que, enquanto dissecava o espécime coletado, notou que os músculos abdominais, que em aves são geralmente muito finos, da espessura de uma folha de papel e que só servem para segurar os intestinos, eram muito espessos.

“O bicho é ‘tanquinho'”, brinca Cohn-Haft. “A araponga-da-amazônia tem abdominais de quem malha, ondulados, bem visíveis, com quase um centímetro de espessura. Isso me impressionou. Ficou evidente que, junto com a siringe, também diferenciada nessa espécie, é uma adaptação para produzir um som muito alto e forte, sem explodir a barriga.”

Depois de constatar isso, ele procurou seu colega e amigo Podos, que é especialista em bioacústica e dedica sua carreira a estudar as adaptações das aves para produzir sons diferentes e como a estrutura influencia o canto que o animal pode fazer.

“Eu sabia que ele iria se interessar”, conta Cohn-Haft. “Mandei para ele fotos da musculatura da araponga-da-amazônia, dizendo que esse pássaro era incrível. Ele se empolgou e então elaboramos um projeto em conjunto, financiado pelo Inpa e Fulbright Foundation, que tornou possível a vinda dele ao Brasil e que subíssemos a serra de novo agora no início deste ano, especificamente para entender melhor o som da espécie.”

Podos conta que recebeu uma mensagem do colega brasileiro perguntando se a musculatura abdominal da araponga-da-amazônia seria uma adaptação para cantar mais alto.

“Respondi que deveria ter algo já conhecido e publicado a respeito”, diz o pesquisador americano. “Pesquisamos então na literatura e descobrimos que não havia nenhum estudo sobre o volume do canto da espécie. É difícil de acreditar, porque muita gente sabia que essa ave poderia ter o som mais alto do mundo. Mas antes de nós, ninguém havia conseguimos chegar ao lugar onde ela habita e gravá-lo e fazer uma boa medida dele. Falamos na hora: nós temos que fazer isso.”

Assim, na expedição do início deste ano, equipados com um decibelímetro, equipamento usados para medir o volume (ou amplitude) de sons, eles registraram o quão alto a araponga-da-amazônia canta. “Descobrimos que o volume médio emitido pela espécie é de 117 dB, com um pico de 125 dB”, conta Podos.

Segundo ele, é muito difícil fazer comparações entre volumes de sons de diferentes emissores, porque a medida depende de vários fatores, como a distância da fonte, por exemplo.

“Só é possível comparar com o berro de alguns animais, que foram medidos por outros biólogos usando a mesma metodologia e calibração que empregamos”, explica. “É o caso do bisão-americano (Bison bison), que chega a 107 dB, e do bugio (Alouatta guariba), que atinge 104 dB. Portanto, o canto da araponga-da-amazônia é mais alto do que o desses mamíferos, o que é incrível, porque ela é muito menor. Ele também é musical, então, se eu tivesse que fazer uma comparação, diria que tem mais ou menos o volume dos sons mais altos de um trombone ou de um trompete.”

A araponga-da-amazônia (Procnias albus) é comum em Roraima e no Pará – Foto: Divulgação/Anselmo D’Affonseca

Além do volume do canto e da musculatura avantajado, os pesquisadores fizeram outra descoberta inusitada.

“Os machos cantam mais alto quanto mais perto estão das fêmeas”, explica Podos.

“Isso é muito esquisito, porque normalmente, em outras espécies de animais, os sons de alto volume são usados para transmitir um sinal a longas distâncias. Isso mostra que temos de pesquisar mais sobre os sistemas de comunicação que existem entre os animais na natureza. Ainda não sabemos por que machos da araponga-da-amazônia fazem isso. Esta é a pergunta de um milhão de dólares. Um colega nosso levantou a hipótese de que é para incapacitar a fêmea de avaliar outros machos. É uma ideia muito interessante, mas ainda não temos nenhum pingo de dados a respeito.”

Por isso, os dois pesquisadores vão continuar os estudos.

“Vamos nos aprofundar, tentando entender o que diferencia um macho do outro do ponto da vista da fêmea”, explica Cohn-Haft.

“Além disso, queremos saber como é mesmo a produção desse som, quais as adaptações, as estruturas, que tornam possível sua emissão e, talvez, mais interessante ainda, descobrir como o volume não danifica a audição nem do macho que canta e nem da fêmea que ouve bem de perto. Também pode ter alguma aplicação prática no futuro, como o desenvolvimento de equipamentos para proteção da nossa audição”.

Fonte: BBC

Artigo anteriorChuva de meteoros cruza o céu na madrugada desta terça (22)
Próximo artigoEstudantes da Índia fazem prova com caixa de papelão na cabeça

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui