COP26, num mundo em transe, só avanços importam – por Osíris Silva

Escritor e economista Osíris Silva/Foto: Divulgação

Tenho lido como preparativo para acompanhar  as discussões que se processam ao longo da COP 26, que se realiza em Glasgow, uma verdadeira torre de Babel consubstanciada em dezenas de documentos, a maioria pautada em propostas, soluções miraculosas, visões distorcidas da realidade, festividade bem ao gosto dos que têm o privilégio de contar com financiamentos de grandes ONGs internacionais com o precípuo objetivo de fragilizar o processo de desenvolvimento e, com efeito, tornar a Amazônia mero mecanismo de espera de interesses internacionais suspeitos e mal intencionados.


COP26 – Glasgow, UK(1 a 12 de novembro 2021)

Dentre tantos documentos estudados via Google e outras fontes também confiáveis,li, semana passada, um livro extraordinário, “A Era do Capital Improdutivo”, de Ladislau Dowbor, economista brasileiro (Personalidade Econômica de 2017, pelo COFECON) de origem polonesa, professor titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), nas áreas de economia e administração. O trabalho parte da curva Macrotendências (Megatrends) relativamente ao período 1750 -2000, autêntica fotografia do Antropoceno, a fase recente em que o ser humano gera impactos transformadores no planeta em várias esferas como clima, biodiversidade e mudanças geológicas. Por exemplo, enquanto a população da terra, em 1900, era de 1,5 bilhão de habitantes, atualmente ultrapassa os 7,2 bilhões, devendo, segundo projeções da ONU, ultrapassar 9,0 bilhões em 2050.

Como observa Dowbor, “somos cerca de 80 milhões a mais a cada ano; e todos querendo consumir mais, cada corporação querendo extrair mais, e tecnologias cada vez mais potentes permitindo mais o processo”. Dentre tantos pontos de convergências e assimetrias, ressalta, a partir de dados da revista New Scientist, de 2008, haver sido necessário toda a história humana para a economia atingir a dimensão atual, enquanto, na dinâmica corrente, em apenas duas décadas poderá vir a ser dobrada. Com efeito, a convergência das tensões geradas leva a pontos conflitantes evidentes, como a poluição de rios e mares, a contaminação de aquíferos e reservas de água doce do planeta.

Dowbor salienta a impressionante conclusão a que, no  contexto, chegou a poderosa World Wildlife Fund (WWF), ONG ambiental presidida pelo príncipe Charles, do Reino Unido, posição ocupada originalmente pelo seu pai, o duque Philip, de Edinburgh. O futuro rei da Inglaterra, que, nesta terça-feira, 2, em Glasgow, elogiou os esforços do Brasil para o cumprimento de suas metas, constatou, em 2016, que, entre 1970 e 2010, em apenas 40 anos, destruímos 52% da fauna do planeta. Approach que ONU, OCDE e organismos multilaterais vêm sustentando na Conferência de Glasgow. Outra ilação significativa, particularmente para o Brasil, atacado por forças ambientalistas dentro e fora do país, diz respeito a que “Estado e mecanismos de regulação são necessários para, supostamente, minimizar a hercúlea  dimensão dos desafios que se põem ao nosso país e ao mundo”.

Mais impressionante ainda, segundo Ladislau Dowbor, “é o efeito climático dos gases do efeito estufa ter sido demonstrado em 1859, enquanto a primeira discussão ampla desta ameaça  ocorreu em Estocolmo em 1972”. O mundo levou 20 anos mais para apresentar uma primeira convenção sobre o clima em 1992, no Rio de Janeiro, a RIO 92. Finalmente, a Conferência de Paris em 2015 decidiu que agora realmente vamos tomar providências”. Atitudes e iniciativas que se frustram exatamente à medida em que países líderes da poluição (Estados Unidos, China, Índia e Rússia) se negam a assinar a Convenção.

Acusa-se o presidente brasileiro Jair Bolsonaro por não comparecer a Glasgow, omitindo-se, todavia, as ausências do presidente Vladimir Putin, da Rússia; Xi Jinping, da China; Ram Nath Kovind, da Índia, dentre outras autoridades de países desenvolvidos e em desenvolvimento. Mesmo não contando com a presença do presidente Bolsonaro, o Brasil, no entanto,  faz-se representar perante a COP 26 por um palco político importante, que conta com a participação de 11 governadores e respectivas comitivas, de representações do Legislativo e do Judiciário, dentre outras autoridades do Itamaraty e de ministérios congêneres.

Desigualdade e Pobresa

Ao par de numerosos estudos sobre questões ambientais, acerca da outra face da moeda, amplo estudo do Banco Mundial (Voices of the Poor) demonstra que quem nasce pobre permanece pobre e que quem enriquece permanece bem. Para Dowbor trata-se da “armadilha da pobreza, poverty trap, igualmente chamada de pobreza estrutural: a pobreza realmente existente simplesmente trava as oportunidades para dela se libertar”. E assim, pondera: “como estuda uma criança numa casa sem sem eletricidade? Como guardar remédios ou alimentos em tais dramáticas circunstâncias? O excelente La Hora de la Igualdad, da CEPAL, citado, “mostrou que a América Latina e o Caribe atingiram um grau de desigualdade que exige que nossas estratégias de desenvolvimento sejam centradas nesta questão”.

Certamente, constata Dowbor,  “não haverá tranquilidade no planeta enquanto a economia for organizada em função de ⅓ da população mundial. Até quando iremos culpar os próprios pobres pela sua pobreza, quando a desigualdade é fruto de um sistema institucional cuja dinâmica estrutural precisa ser revertida”. Normalmente a desigualdade de renda é medida pelo coeficiente de Gini que varia de 0 a 1 (quanto mais elevado maior a desigualdade). Para se ter exemplos reais, a medida da desigualdade é de 0,25 na Suécia, 0,45 nos Estados Unidos, 0,49 na China; Portugal, 0,31, Espanha, 0,32, Índia, 0,35;  0,50 no Brasil e próximo de 0,60 na África do Sul.

A desigualdade da riqueza, entretanto, é incomparavelmente maior, da ordem de 0,80. Os dados foram levantados pelo grupo financeiro suiço Credit Suisse sobre a Pirâmide da Riqueza Global. No topo, os adultos que têm mais de 1,0 bilhão de dólares são 33 milhões de pessoas, 0,7 % do total de adultos no planeta. A riqueza desse grupo totaliza algo como 116,6 trilhões de dólares, 45,6% dos US$ 256,0 trilhões avaliados. Segundo Dowbor, importante salientar “que as grandes fortunas da parte de cima da pirâmide não são propriamente de produtores, mas de gente que lida com papéis financeiros, fluxos de informação ou intermediação de commodities”. A elite da riqueza planetária.

Ampliando a faixa de 0,7% dos mais ricos para 1%, verifica-se que esta faixa de 1% concentra mais riqueza que os 99% restantes do planeta. Em resumo, segundo a Oxfam, “embora lideranças mundiais tenham se comprometido a alcançar objetivos de reduzir a desigualdade, o fosso entre os ricos e o restante da sociedade aumentou”.  Dados que corroboram o discurso de despedida do presidente Obama na Assembleia Geral da ONU, em setembro de 2016, quando afirmou: “Um mundo no qual 1% da humanidade controla uma riqueza equivalente à dos demais 99% nunca será estável”. Nesse cenário, Dowbor conclui que a) ao longo dos próximos 20 anos, 500 pessoas passarão mais de US$ 2,1 trilhões para seus herdeiros – uma soma maior que o PIB da Índia, que tem 1,2 bilhão de habitantes; b) a renda dos 10% mais pobres aumentou cerca de US$ 65 entre 1988 e 2011, enquanto a do 1% mais rico aumentou cerca de US$ 11.800. Ou seja, 182 vezes mais.

Em síntese, ao que adverte Dowbor, o planeta está sendo administrado “para uma minoria, por meio de um  modelo de produção e consumo que acaba com nossos recursos naturais, transformando o binômio desigualdade/meio ambiente numa autêntica catástrofe em câmara lenta”. Em tal cenário, a pobreza se amplia face à má gestão dos recursos da bioeconomia, do ecoturismo, do manejo florestal sustentável, fortes geradores de emprego e renda. Contraditoriamente ao axioma segundo o qual o pobre gasta, o rico acumula, o gasto do pobre gera demanda e uma dinâmica econômica mais forte, enquanto a acumulação de papéis financeiros apenas drena a demanda e a capacidade de investimentos produtivos”. Em suma: sem processo distributivo, aprofundam-se os dramas ambientais, sociais e econômicos. Não se trata apenas de justiça e de decência moral. Trata-se de bom senso quanto ao funcionamento do sistema, conclui.

Dowbor, ao juntar os gráficos do New Scientist, acerca dos megatrends históricos na área ambiental, e da pirâmide do relatório da Oxfam, chega à uma conclusão óbvia: “estamos destruindo o planeta para o proveito de quando muito ⅓ da população mundial, e de forma muito particular do 1%”. Estes, certamente, os dados básicos que deveriam estar orientando as ações futuras da comunidade internacional, especialmente das representações junto à COP 26. Isto é, “inverter a marcha da destruição do planeta e do processo cumulativo de geração de desigualdade”. Para tanto, “temos justamente de reorientar a alocação de recursos financeiros”. O mundo precisa mudar a visão de como lidar com essas questões transcendentais. O desafio central, para Dowbor, consiste na “geração de uma nova governança, para permitir que os recursos da sociedade voltem a ser produtivos; que as nossas poupanças gerem crédito barato para favorecer o consumo das famílias e a expansão da demanda, que o crédito de médio e longo prazo favoreça o investimento empresarial, que os recursos alocados em dívidas públicas passem a servir o investimento em infraestrutura e políticas sociais”.

Um “sistema em que o eixo de motivação se limite ao lucro, sem precisar se envolver nos impactos ambientais e sociais, fica preso na sua própria lógica”. Por outro lado, acrescenta, “nossa principal medida de progresso, o PIB, não mede nem o desastre ambiental nem o drama social; não contabiliza o que se produz, nem a quem vai o produto, nem a redução do capital natural do planeta, além de capitalizar como positiva a poluição que exige grandes programas de recuperação”. Essas regras precisam mudar. Não há como escapar da necessidade de resgatar a governança do sistema. Na verdade, ao que observa o autor, a motivação do lucro a curto prazo age tanto contra a sustentabilidade como contra o desenvolvimento inclusivo. A deformação é sistêmica, acrescenta.

Frustrações e fracassos dos acordos passados

As ordens de grandeza são estarrecedoras. Para efeitos corporativos, salienta Ladislau Dowbor, “lembremos que o imenso esforço global de se enfrentar a mudança climática, desenhado no Acordo de Paris, em 2015, estabeleceu o ambicioso objetivo de levantar US$ 100 bilhões anuais para financiar as iniciativas no mundo em ações que que visem mitigar os impactos.  Tal soma de recursos parece importante. Diante de cuja expressão, os ativos do Fundo Amazônia – cerca de R$ 1,4 bilhão – bloqueados desde 2019, não passam de dinheiro de troco. No entanto, as pesquisas do Tax Justice Network e outros grupos, a partir da crise de 2008, informa o autor, “mostram que só em recursos não declarados colocados em paraísos fiscais – portanto, somas que que além de não serem investidas, sequer pagam os impostos devidos – temos entre US$ 21 e US$ 32 trilhões. Cerca de 200 vezes mais do que o ambicioso objetivo da cúpula mundial de Paris. Comparativamente, por outro lado, ao PIB mundial, da ordem de US$ 80 trilhões, os desajustes são em si evidentes”.

Ladislau Dowbor destaca ainda em seu livro muitos outros dados importantíssimos em relação aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), da ONU, desenhados e aprovados em Nova York em 2015. O documento é constituído de 17 objetivos e 169 metas, um marco para guiar o mundo até 2030. Representam um grande avanço, sem dúvida, entretanto,os itens 16 e 17, que tratam dos meios para se atingir um mínimo de sustentabilidade, resultaram apenas em sonhos. Menos conhecido do que os ODS é o plano Agenda de Ação de Adis Abeba 2015, que legalmente faz parte do acordo ODS, mas se debruçou especificamente, sem sucesso, sobre como financiar o desenvolvimento sustentável. Em seu relatório, “a ONU constata uma vez mais que os fluxos líquidos para países em desenvolvimento devem permanecer negativos durante os últimos anos, o que demonstra que “fluxos líquidos negativos” significam que os pobres estão financiando os ricos”.

Glasgow avança, trazendo soluções disruptivas, ou seguirá as trilhas de Estocolmo, 1972; da Rio 92, ou da Conferência de Paris, 2015?  O Brasil, mesmo a despeito de inúmeros percalços, pressões de todos os lados, está fazendo sua parte. A comitiva brasileira aposta na “oportunidade de uma nova economia verde” e, com isso, pretende trazer acordos de financiamento de clima e mercado de carbono. As estratégias, reunidas e apresentadas pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), também contemplam a proposta de agropecuária sustentável, a baixa na emissão de gás carbônico, o tratamento de resíduos e o ecoturismo. Segundo o ministério, está sendo desenhado um programa de crescimento com foco no chamado “emprego verde”.

Segundo a ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), Tereza Cristina, que discursou nesta 2ª feira (1º.nov.2021) na abertura do Brasil na COP 26 destacou que, até 2030, o país investirá em disseminação de tecnologias de baixa emissão de carbono em terras agricultáveis. “Até 2030 iremos disseminar as tecnologias de baixa emissão de carbono a mais de 72 milhões de hectares de terras agricultáveis, promovendo ganhos de produtividade em terras agrícolas já consolidadas, sem a necessidade de converter novas áreas à atividade produtiva. Mitigamos com isso o equivalente à emissão de mais de um bilhão de toneladas de CO2”. Teresa Cristina ressaltou que “o potencial transformador da agropecuária de baixa emissão de carbono é enorme. Queremos compartilhar essa experiência com países de realidades semelhantes. Apenas com a disseminação das melhores práticas a todos os produtores poderemos colher os impactos positivos que a produção de alimentos, fibras e bioenergia pode ter”, disse.

EUA comemoram metas do Brasil

O enviado especial dos Estados Unidos para questões climáticas, John Kerry, celebrou no Twitter as metas divulgadas pelo Brasil na COP 26 para acabar com o desmatamento ilegal e a promessa de neutralizar as emissões de carbono até 2050. “Saudamos os novos compromissos do Brasil para acabar com o desmatamento ilegal até 2028, alcançar uma redução significativa de 50% de GEE até 2030 e atingir zero líquido até 2050. Isso adiciona um impulso crucial ao movimento global para combater a Crise Climática. Estamos ansiosos para trabalhar juntos!”, afirmou Kerry.

Manaus, 4 de novembro de 2021.

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