Coragem: Seja seu Líder, Seja seu Herói – por Isabela Abes Casaca

O importante é você ver
o grande líder que existe
dentro de você.
(Zé Geraldo)


A liderança é uma virtude de nascença ou é desenvolvida no decorrer da vida? Muito embora existam pessoas com esta característica nata, ela pode ser aprimorada e desenvolvida sim. Para nós, simples mortais, ser líder não tem muito a ver com predestinação,está mais relacionada com as escolhas que fazemos. “O destino não dá paz prá quem quer se esconder, o destino a gente faz na hora de escolher.“[1]

Antigamente o conceito de líder que predominava era a descrição de um do sujeito que ordenava sua vontade, sem pensar no bem-estar coletivo, observava sem se envolver, agia com autoritarismo. Atualmente entendemos o perfil descrito como “chefe”, enquanto o líder trabalha a emoção antes da razão, procurar motivar e inspirar os outros, valorizar as habilidades de cada indivíduo, comprometer-se e responsabilizar-se com o objetivo juntamente com os outros, dando o exemplo.

Existem algumas virtudes atribuídas a bons líderes: paciência, bondade, humildade, respeito, perdão, honestidade, compromisso, envolvimento, mansidão, justiça, confiança, coragem etc. Não tenho a intenção de esgotar o rol supracitado, há outras para serem lembradas, porém a fim de não me estender listarei somente estas.

Outro conceito em voga é a liderança compartilhada e cooperativa, o livro O Vôo do Búfalo – decolando para a excelência, aprendendo a deixar os empregados assumirem a direção, dos autores James A. Belasco e Ralph C. Stayer, usa um exemplo da natureza para explicar como funcionada esta modalidade: os pássaros voam em formação de “V”, à medida que cada ave bate suas asas, cria uma sustentação para a seguinte, desta feita o grupo inteiro consegue voar pelo menos 71% a mais do que se cada ave voasse isoladamente. Quando o líder se cansa, reveza indo para a traseira do “V”, enquanto um outro assume a ponta.

Podemos elencar algumas vantagens deste estilo de liderança: 1) Pessoas que compartilham uma direção comum e um senso de equipe, chegam ao seu destino mais rápido e com facilmente, porque se apoiam na confiança umas das outras. 2) Existe força, poder, cooperação, confiança e segurança em grupo, quando os objetivos convergem para a mesma direção. 3) Há um revesamento de tarefas. 4) Há reforço, apoio e encorajamento mútuo entre os companheiros.

Se você tem personalidade de tendencia introvertida, fique tranquilo! Isto não é empecilho para ser um líder. Este é o tema do livro O Poder dos Quietos, de Susan Cain. Durante uma palestra ao Ted Talks, autora pondera sobre a sociedade atual, que preza exageradamente a extroversão, em detrimento dos momentos de quietude.  Com a finalidade de aproveitar melhor líderes introvertidos é preciso deixá-los fazer o que sabem de melhor, para tal Susan propõe um equilíbrio social, onde seja dado aos introvertidos espaço para agir conforme sua natureza.

Quando se fala em liderança, os introvertidos são usualmente desconsiderados para tais posições, embora os introvertidos tendam a ser mais cuidadosos e menos propensos a correr riscos descabidos. Uma pesquisa muito interessante realizada por Adam Grant, da Wharton School, concluiu que líderes introvertidos muitas vezes produzem resultados melhores do que os extrovertidos, pois, no trato com funcionários pró-ativos, tendem a deixar seus subordinados levarem suas ideias adiante, ao passo que um líder extrovertido pode, involuntariamente, ficar tão empolgado a ponto de interferir em tais ideias, imprimindo sua marca em tudo que toca, impossibilitando o desabrochar da criatividade de outras pessoas.

De fato, alguns dos líderes que transformaram nossa história eram introvertidos, como Eleanor Roosevelt, Rosa Parks, Gandhi – todos esses que citei se descreviam como pessoas calmas, contidas e até mesmo tímidas. E todos eles estiveram em evidência, ainda que todos os ossos de seus corpos clamassem para não estar naquela posição. E essa atitude, por si só, acabou sendo muito poderosa, já que as pessoas podiam sentir que eles estavam conduzindo o barco não porque gostavam de guiar os outros, nem porque se regozijavam no prazer de serem admirados; estavam lá porque não tinham escolha, porque foram conduzidos a fazer aquilo que eles achavam correto.“[2]

Este ponto de vista é corroborado pelo articulista Nicholas Garcia, no texto This is Why Introverters Are Good Leaders (É por isso que introvertidos são bons líderes, em tradução livre), onde há uma listagem de motivos para embasar o título : 1) São bons ouvintes. 2) Dão mais liberdade. 3) Precisam de um tempo a sós. 4) São genuínos. 5) Tomam boas decisões. Para ler a explicação completa acesse: 5 motivos que provam por que os introvertidos são ótimos líderes.

Caso você almeje desenvolver a liderança, é preciso ficar ligado na seguinte questão: “Os líderes precisam ficar atentos não somente às qualificações expostas no currículo, como formação escolar e histórico profissional, mas nas características estruturais da personalidade das pessoas, a começar por si. Quer ser um comandante de destaque? Busque o autoconhecimento! Entenda quais são suas limitações, mas, principalmente, conheça seus principais talentos, invista neles e seja sincero consigo mesmo nessa análise.“[3] (grifo nosso)

Como é difícil tornar-se herói
Só quem tentou sabe como dói.
(Aldir Blanc & João Bosco)

Mais importante que liderar outras pessoas, é liderar si mesmo, desenvolver pensamento próprio, ser protagonista de sua própria história, ser herói de sua própria jornada. Trazendo a reflexão para um campo mais mítico; o líder ou herói é justamente o arquétipo que representa o chamado e a luta pelo autoconhecimento.

O fundador da psicologia analítica, Carl Gustav Jung, chama este caminho/busca de “individuação”. Antes de explicar do que isto se trata, preciso destacar dois pontos: 1) A individuação é um “processo”, ou seja, não são fases estanques, uniformes, padrões ou fórmulas mágicas, mas sim, “processos”, passagens e experiências, que devem ser vivenciadas por cada pessoa de um jeito singular. 2) Existe diferenças entre “individualização” e “individuação”. A primeira é o processo onde o sujeito se torna um indivíduo. Já a segunda, é o caminho que leva a pessoa a se torna quem ela é verdadeiramente, portanto só é possível em uma relação com outros sujeitos e com o mundo, o ponto principal são as relações humanas.

Jung explicou que, a individuação é o caminho de autoconhecimento, através do qual a pessoa estabelece contato com o seu inconsciente, não apenas o pessoal, mas também o inconsciente coletivo, sendo que esta integração implica a separação daquilo que é consciente e do que “não é consciente”, tendo como fim o encontro do Self (Eu Superior), o centro da personalidade, realizando a individualidade e personalidade, gerando uma visão realista de si mesmo.

Trata-se de uma evolução e ampliação da consciência. Através desse processo, o indivíduo identifica-se menos com as condutas e valores propagados pelo ambiente no qual se encontra e mais com as orientações emanadas do Si-mesmo/Eu Superior, a totalidade de sua personalidade individual.

Para alcançar a individuação é essencial que o indivíduo se despoje ao máximo das máscaras, enfrentando corajosamente suas limitações, dificuldades, medos, angústias, dores, buscando a origem dos problemas, encarando seus sentimentos mais profundos, fazendo, desta maneira, a conexão com o Eu Superior, dimensão do ser que transcende o ego (eu), que tudo compreende, pois é a fonte de sabedoria existente em todo ser humano. Embora seja um processo doloroso, a individuação proporciona ao ser humano a libertação da massificação, seja ela social ou cultural.

Paulatinamente, através de um processo lento e quase imperceptível de crescimento psíquico “surge, gradualmente, uma personalidade mais consistente e perceptível mesmo para com outras pessoas. (…) Todo indivíduo tem de desenvolver tal processo de crescimento e maturação“[4], o caminho para tal crescimento é contínuo, será percorrido por toda a existência, a cada nova etapa é ampliada a harmonia e integração com o Self.

Como disse não existem fórmulas prontas ou soluções mágicas, é preciso que o indivíduo experiencie e vivencie, para ampliar o conhecimento sobre si próprio, não é possível usar “balanças para pesar vossos tesouros desconhecidos; ou explorar as profundidades de vossos conhecimento com uma vara ou uma sonda, porque o Eu é um mar sem limites e sem medidas“[5].

Muito embora, não seja possível criar um padrão ou roteiro, a ideia de monomito, um conceito de jornada cíclica presente nas mitologias, cunhado por Joseph Campbell em seu livro O Herói de Mil Faces, pode nos auxiliar a compreender um pouco mais das experiencias que vivenciamos em nossa própria trajetória. Na obra são listados alguns estágios comuns da trilha do herói, por meio deles podemos reconhecer momentos de nossas vidas, e buscar lidar com eles da melhor maneira possível.

Os mitos dos heróis “variam muito nos seus detalhes, mas quanto mais os examinamos mais percebemos quanto se assemelham estruturalmente. Isso quer dizer que guardam uma forma universal“[6]. Por causa dos detalhes, não é possível criar uma regra rígida ou fórmulas prontas, deve ser respeitada a particularidade de cada caso, porém, por ter uma essência universal, existe a possibilidade do monomito assistir nossa compreensão do processo de individuação (respeitadas as singularidades, como já destaquei).

Seja seu próprio líder, seja seu próprio herói… O passo precípuo para isto é a virtude da coragem. Segundo Aristóteles, esta é a base para o desenvolvimento das demais. “O herói-coração deve estar disponível“[7]. Com coraticum (cor + –atĭcum: ação do coração) podemos fazer “a dificílima dangerosíssima viagem de si a si mesmo: Pôr o pé no chão do seu coração, experimentar, colonizar. civilizar, humanizar o homem, descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas a perene, insuspeitada alegria de con-viver“[8].

A função primária da mitologia e dos ritos sempre foi a de fornecer os símbolos que levam o espírito humano a avançar“[9]. Portanto, podemos escolhermos um herói superior para nos inspirar e guiar, durante nossa própria jornada. Sabendo que o caminho desconhecido que percorreremos, seus desafios e dificuldades, nada mais são do que riscos já enfrentados por outros heróis maiores que nós, de modo que não encontramo-nos sozinhos nessa aventura. Ao seguir a trilha do herói, estamos na verdade, empreendendo uma viagem ao centro de nós mesmos, ao invés de encontrarmos a solidão, encontraremos a companhia do universo.

Além disso, nem sequer teremos de correr o risco da aventura sozinhos; pois os heróis de todos os tempos nos precederam; o labirinto é totalmente conhecido. Temos apenas que seguir o fio da trilha do herói. E ali onde esperávamos encontrar uma abominação, encontraremos uma divindade; onde pensávamos matar alguém, mataremos a nós mesmos; onde pensávamos viajar para o exterior, atingiremos o centro de nossa própria existência; e onde pensávamos estar sozinhos, estaremos com o mundo inteiro“.[10]

Teseu mata o Minotauro na presença de Atena, Aison (Kylix)

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[1] MALTZ, Carlos. Outra Vez Nós Dois.
[2] CAIN, Susan. O Poder dos Introvertidos (Palestra TED Talks)
[3] FERRAZ, Eduardo. Liderança: mais que um conceito.
[4] JUNG, Carl Gustav; FRANZ, Marie-Louise von; HENDERSON, Joseph L.; JACOBI Jolande; JAFFÉ, Aniela. O Homem e seus Símbolos.
[5] GIBRAN, Khalil. O Profeta.
[6] JUNG, Carl Gustav; FRANZ, Marie-Louise von; HENDERSON, Joseph L.; JACOBI Jolande; JAFFÉ, Aniela. O Homem e seus Símbolos.
[7] CAMPBELL, Joseph. O Herói de Mil Faces.
[8] ANDRADE, Carlos Drummond de. O Homem; as Viagens.
[9] CAMPBELL, Joseph. O Herói de Mil Faces.
[10] CAMPBELL, Joseph. O Herói de Mil Faces.

Isabela Abes Casaca
Twitter: @isabelacasaca
http://www.novaagora.org/

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