Cúmulo da impudência (Por Paulo Figueiredo)

Advogado Paulo Figueiredo (AM)

Inevitável a denúncia a ser oferecida pelo Ministério Público Federal contra Eduardo Cunha e Renan Calheiros, dirigentes máximos do Congresso Nacional. Necessária, pela gravidade dos fatos aflorados ao longo das investigações da Operação Lava Jato, com elementos colhidos em depoimentos de réus colaboradores e em outros meios de prova. E, mais ainda, diante da virulência extrema com que o presidente da Câmara investiu contra o procurador-geral da República, deixando-o sem maiores alternativas. Ou denuncia ou dobra-se intimidado frente ao discurso violento do deputado. Renan Calheiros, mais cauteloso, em sentido contrário ao adotado por seu conterrâneo Fernando Collor de Melo, também entrará de cambulhada, no rastro do cometa enlouquecido pilotado pelo político fluminense. O ex-presidente Collor, bem ao seu estilo, agressivo e incontrolável, em pronunciamento da tribuna do Senado Federal, acaba de chamar o procurador-geral da República de “filho da puta”. Um exemplo edificante, com transmissão ao vivo e a cores para todo o país. Aonde chegamos?
Procedimentos adotados em consonância com a lei e a ordem jurídica, no regime democrático e no estado de direito, são vistos como corriqueiros e normais. A denúncia é peça usual e somente instaura-se o processo penal com seu recebimento pela autoridade judiciária competente, quando os denunciados passam à condição de réus, assegurando-se a todos a oportunidade do contraditório e da ampla defesa, como garantia constitucional impostergável.


A chiadeira ocorre porque agora a mão do Judiciário alcança os poderosos, aqueles que passaram a vida no andar de cima da sociedade, tidos e havidos como intocáveis e como tal conscientes de sua inimputabilidade. Mas a Nação, cujos sentimentos a chamada classe política ignora, aplaude a atuação do Ministério Público e da Polícia Federal. No cumprimento de suas atribuições e obrigações legais, como instituições de Estado, encontraram acolhimento na pessoa de um juiz federal de primeira instância do Paraná, independente e afirmativo em sua missão judicante. Portanto, pouco importa as diatribes raivosas dos atingidos, uma vez que fatos são fatos, a cada momento mais robustos e incontestáveis, nas várias fases da Operação Lava Jato. Ninguém desconhece que se os delitos tivessem identificada autoria nos porões dos estamentos sociais, como é possível constatar no dia a dia de milhares e milhares de miseráveis e párias, não haveria a menor relevância política, como é mais do que óbvio.

Agrava-se a situação e a crise chega a patamares preocupantes, agora com dimensão política que compromete o enfrentamento do desastre na economia, como pela primeira vez reconhece o próprio vice-presidente da República, sem meias palavras. A base de sustentação do governo Dilma no Congresso esfarela-se e não há quem controle a ruína do projeto de poder lulopetista, mergulhado até o pescoço em escândalos de corrupção. Até o ministro Aloizio Mercadante desce do alto de sua empáfia e vai ao Congresso em busca de diálogo, como se ainda fosse possível encontrar interlocutores dispostos a ouvi-lo, numa ação tardia e sem sentido, frente à notória incompetência do governo. Com Dilma, não há solução. Ela é o nome da crise, como Sarney o foi no seu tempo.

No outro lado do Palácio do Planalto, às vésperas de uma grande manifestação popular, desmilíngue-se a representação política, ao manifestar-se solidária ao deputado Eduardo Cunha, proclamando-se contrária ao afastamento do presidente da Câmara, após denúncia do procurador da República e instauração de processo penal no Supremo. A maioria dos deputados vai além e declara que não admitirá processos de cassação contra qualquer um dos colegas investigados pela Lava Jato. No passado, a situação já foi bem melhor, quando José Dirceu, poderoso ex-ministro de Lula, perdeu o mandato, agora novamente preso, na mesma linha do que ocorreu com dois presidentes da casa, Severino Cavalcanti e João Paulo Cunha. Como se não bastasse, a irresponsabilidade é levada ao extremo, com a “pauta-bomba” que arrebenta com as finanças públicas, via concessão de aumentos abusivos a várias categorias de funcionários públicos.

Muita impudência. Como imaginar o presidente de uma das casas do legislativo federal processado pela maior corte de justiça do país, sob acusação de recebimento de propina e corrupção, no exercício de suas funções? Há deveres que o próprio cargo impõe a seu ocupante e o maior deles é o da reputação ilibada, especialmente como atributos de quem figura como segundo na linha sucessória da República. É elementar que Eduardo Cunha não tem mais condições de desempenhar o múnus público que lhe foi confiado por seus pares, ainda que insistam em sua permanência no comando da Câmara.

Como no caso da mulher de César, não basta ser honesto, é preciso parecer honesto. Até que se prove o contrário, hipótese avaliada como difícil ou impossível, Cunha pelo menos não parece.( Paulo Figueiredo – advogado, escritor e comentarista político –  [email protected])

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