Donos da JBS se preparam para responder por crimes nos EUA

Donos da JBS se preparam agora para se defender nos Estados Unidos/Foto: Arquivo

Após a J&F, grupo controlador da JBS, negociar com o Ministério Público Federal, o pagamento do maior acordo de leniência da história, que funciona como uma delação premiada para empresas, a companhia, também, se prepara para responder a eventuais crimes nos Estados Unidos.
Com a delação feita por seus donos, Joesley e Wesley Batista, a empresa pode ser processada por acionistas americanos. Seus sócios também podem responder por crime contra a ordem pública, manipulação de informações de mercado e moeda, corrupção, suborno e ações contra o sistema financeiro americano.


E as punições, segundo os especialistas consultados pelo Estado, podem ser mais severas nos EUA do que aqui no Brasil. Elas vão desde multas e indenizações bilionárias até cadeia e a exigência da implementação de uma equipe para realizar uma minuciosa auditoria interna, que seria paga pela própria empresa, mas coordenada e subordinada à Justiça norte-americana.

Donos da JBS se preparam agora para se defender nos Estados Unidos/Foto: Arquivo

Na avaliação da professora de Direito Internacional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Maristela Basso, houve má fé nas ações dos irmãos Batista.

“Eles se propuseram a fazer delação com um plano já muito bem traçado, uma série de ações premeditadas. No direito chamamos isso de má fé na origem”, explica.

Assim, um dos riscos mais concretos que a empresa corre nos EUA é o processo por parte de acionistas. Especialistas explicam que os donos de ADRs (American Depositary Receipt) – recibos de ações de empresas de fora dos EUA que são negociados na Bolsa de Nova York – podem entrar com ações contra a companhia pelos eventuais prejuízos que eles tiveram com os papéis após a delação.

“Quem tem o ADR pode processar a empresa no Brasil, assim como está acontecendo com acionistas estrangeiros da Petrobrás”, explica o professor Ary Oswaldo Mattos Filho, fundador da escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo e ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

A Petrobrás, como citou o especialista, foi alvo de 27 ações na Justiça americana feitas por investidores após a deflagração da Operação Lava Jato. Até fevereiro último, a estatal já havia feito acordo em 19 das 27 ações movidas contra ela, nos quais a empresa gastou US$ 372 milhões.

Para o professor do Instituto de Direito Público de São Paulo, Alexandre Kawakami, investidores estrangeiros já estavam em estado de alerta com negócios da JBS desde a deflagração da Operação Carne Fraca, em meados de março desse ano.

“Esse é o momento de eles questionarem as perdas, pois investiram em uma empresa que está envolvida em corrupção e pagamento de propina para políticos e fiscais, admitindo carne de qualidade inferior ao que era anunciado. Isso causa um impacto em diversas esferas do negócio, desde o produto até a integridade da empresa”, comenta Kawakami.

Os outros eventuais processos que a JBS e seus sócios podem sofrer nos EUA ainda são especulações. O Departamento de Justiça Americano (DOJ) não se pronuncia sobre os casos. Já a JBS, questionada pela reportagem, emitiu uma nota dizendo que “está cooperando com as autoridades para solucionar as questões em aberto”.

O frigorífico, no entanto, não especifica o que está sendo feito ou investigado. Mas a contratação do escritório de advocacia Baker McKinsey pode ser um indicativo de que os irmãos Batista já negociam uma eventual delação nos Estados Unidos. O escritório é o maior do país e reconhecido pela atuação em casos envolvendo grandes empresas.

“Tenho séria desconfiança, com bases no que vem acontecendo e em precedentes de outras delações e de como a Justiça americana lida com isso, que os sócios estão negociando lá. Eles não dariam esse ponto sem nó de ir pra lá sem sofrer nenhuma consequência. E a Procuradoria brasileira não abriria as portas para eles irem pra lá tranquilamente, não tem sentido lógico”, explica o professor Evandro Pontes, do curso de Direito do Insper.

O advogado Alexandre Kawakami também acredita que os irmãos Batista estejam negociando algum tipo de acordo nos Estados Unidos. “É capaz que eles façam uma delação premiada lá, mais ou menos da mesma forma que ocorreu aqui. Mas é importante lembrar que lá, a pena deles provavelmente seja mais pesada e inclua prisão”, opina.

Segundo os especialistas, a empresa e os sócios podem sofrer punições por crimes contra a ordem econômica – devido a uma eventual manipulação de informações relevantes sem conhecimento do público, caso da compra de dólar no mercado futuro. Calcula-se que o dinheiro obtido na operação seja suficiente para o pagamento da multa de R$ 250 milhões estipulada pelo Ministério Público Federal.

Além disso, acredita-se que a dupla tenha usado dinheiro ilícito para atingir os resultados mostrados nos balanços financeiros e também movimentado o montante ilegal em bancos dos Estados Unidos. Os crimes de corrupção e suborno são passíveis de punição no país, independente do local onde aconteceram.

“A Justiça dos EUA pode pedir ao Ministério Público Brasileiro as delações feitas aqui, para que eles verifiquem crimes de corrupção e suborno, que também podem ser punidos lá”, explica Mattos Filho, da FGV.

Maristela Basso, professora da USP, não acredita na impunidade para Joesley e Wesley Batista, uma vez que as ações praticadas aqui afetam diretamente as unidade da JBS em solo norte-americano. Além disso, os crimes cometidos pelos irmãos podem ter beneficiado toda a estrutura da empresa, concordam os advogados.

“É apenas uma questão de tempo até que eles sejam penalizados nos Estados Unidos também. Empresas que negociam com eles no mercado externo e acionistas cobrarão posicionamento sobre o desenrolar do caso, é uma questão de transparência e informação”, define Maristela.

Ela ressalta que, da mesma maneira que empresas encontram benefícios e incentivos para expandir suas operações em outros países, essa é uma “via de mão dupla”. “O direito internacional público e o direito internacional convencional impõem aos países o dever de controlar a conduta de suas corporações transnacionais no estrangeiro.”

Exemplos. Casos semelhantes aconteceram no Brasil com a Odebrecht e a Embraer. A empreiteira fechou um acordo de US$ 2,6 bilhões com a Justiça dos Estados Unidos, pagos às autoridades norte-americanas, brasileiras e suíças. Os EUA acusaram a empresa de pagar US$ 788 milhões em subornos para funcionários de 12 países.

No caso da Embraer, foi negociado um acordo de US$ 206 milhões, pagos a autoridades brasileiras e norte-americanas para encerrar acusações envolvendo o pagamento de propina em negócios na Índia, República Dominicana, Arábia Saudita e Moçambique. A Lei de Práticas de Corrupção no Exterior (FCPA) prevê multa e prisão para casos envolvendo esquemas de suborno e fraude financeira.

A Odebrecht e a Embraer – assim como a petroquímica Braskem – também estão cumprindo outra punição que pode ser aplicada à JBS: a presença de uma equipe de monitoramento, subordinada ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos, uma espécie de “liberdade condicional” para empresas.

Segundo Mattos Filho, o chefe dessa equipe é escolhido pelo DOJ dentre as opções que a própria empresa leva. Ele forma uma equipe, que pode atuar em várias unidades da empresa para evitar que atos ilícitos voltem a acontecer. Todos os gastos, que segundo o especialista são altos, são bancados pela própria empresa, mesmo que ela não seja a responsável pelos profissionais.(Terra/IstoÉ/Estadão)

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