Emoções e paixões – por Flávio Lauria

Flávio Lauria é Administrador de Empresas e Professor Universitário

Por interferirem na compreensão dos fatos, as emoções e paixões costumam ser responsabilizadas por boa parte dos erros e desatinos que cometemos. No entanto, é injusto reduzi-las a forças incontroláveis que nos arrastam, desprezando as recomendações da razão serena, para a beira de precipícios sugadores. Mesmo porque requintes de perversidade são também planejados pelo mais límpido cálculo da razão pura. Não se pode, além do mais, esquecer que entre os impulsos cegos e a avaliação criteriosa se interpõem os interesses. E que a pobre da razão, mesmo quando sujeita a forças que a manipulam para justificar os mais sórdidos tipos de ação, não está condenada a ratificar o que contraria seus princípios básicos. A ideia de que a racionalidade é um artifício de dominação, verniz capaz apenas de civilizar as pulsões selvagens, inviabiliza a busca de entendimento entre os homens.


O avanço do conhecimento não se tem feito acompanhar do aumento da racionalidade nas ações humanas. Isso se deve, em parte, ao fato de que o fantástico saber acumulado nos últimos séculos está, no essencial, voltado para o controle operacional dos fenômenos estudados. As forças psicossociais que movem os homens permanecem quase tão desconhecidas quanto o eram à época de Platão. A ciência está longe de desvendar os segredos da mente humana. Sabe-se mais sobre moléculas que sobre desejos. Subsiste como desafio explicar como as construções simbólicas se transmutam em comportamentos. É trivial saber que a consciência, em busca da conquista de seus objetivos, precisa se mostrar sensível à rica variação dos contextos e situações. O fundamental é entender como os significados do mundo interior se traduzem em ações sobre a realidade exterior e como as escolhas individuais resultam da queda-de-braço entre o empenho da vontade e a correnteza da realidade. Se os conflitos não são racionalmente superáveis, a violência passa a ser vista como a única saída. É importante notar que aqueles que reduzem tudo ao jogo bruto dos interesses são os mesmos que nos querem fazer crer que é possível um mundo regido pela racionalidade e pela solidariedade. Destruída a ordem que resguarda os interesses menores de uma minoria, as privações e os sofrimentos desapareceriam e o poder seria exercido com justeza. E, santa utopia, as portas do paraíso se abririam ao homem a partir do momento em que a razão deixasse de ser escrava dos interesses individuais.

Muitos acreditaram no século 20 que a violência, posta em prática pelo lado certo, acabaria dialeticamente com a violência. O homem é uma fragilidade imprensada entre o sonho da realização dos desejos e o nada da destruição natural ou provocada. Suas escolhas resultam da guerra travada – dentro e fora de sua consciência – entre forças que lutam para controlar sua vontade. A história, movida por paixões e razões, trouxe a Humanidade até aqui sem que tivesse consciência das implicações dos caminhos trilhados. Por incrível que pareça, o homem vai fazendo, aos trancos e barrancos, para depois entender. O combate a arcaísmos comportamentais que ameaçam as conquistas da cidadania transcende o embate entre sistemas político-econômicos. O que no passado nasceu como diferença entre visões de mundo, hoje é abismo material e espiritual entre as sociedades. Por isso, existe o risco de a tensão entre as civilizações ser manipulada a ponto de produzir uma escalada incontrolável da violência.

Nos últimos séculos o mundo ocidental passou a ser regido pelo modelo da superação permanente de resultados. O anterior é mero degrau para o posterior. O problema é que a globalização bate de frente com os tradicionalismos e os fundamentalismos. Como nem todas sociedades, dados os diferentes solos culturais em que estão enraizadas, têm como se enquadrar – sem traumas – no incisivo e acelerado processo de uniformização a que têm sido submetidas, há entre elas um grande descompasso histórico. O desafio é evitar as formas de regressismo político e cultural que a violência terrorista patrocina sem deixar de reconhecer que na era da globalização subsiste a “situação paradoxal” de as sociedades, cada vez mais interconectadas, não estarem todas vivendo no mesmo tempo histórico.

 

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui