FIFA proibe cueca de Neymar e gera discussão no meio jurídico

cuecaLei da Copa prevê crime de marketing de emboscada por associação. Isso significa que a propaganda realizada por atletas durante as partidas de futebol está sujeita a detenção. Como exemplo, citamos a “cueca da sorte” de Neymar.


Nos os últimos dias vem gerando muita repercussão na mídia uma suposta propaganda feita pelo craque brasileiro, Neymar, durante uma partida de futebol disputada pela Copa dos Campeões da Europa. Na ocasião, o jogador brasileiro, que atua pelo time do Barcelona, levantou sua camiseta por diversas vezes ao longo da partida contra o Atlético de Madri, destacando, assim, sua cueca.[1] Ocorre que, um mês antes, Neymar havia estrelado uma nova campanha da Lupo, com o seguinte título: “cueca da sorte”.

A partida foi transmitida ao vivo pela Rede Globo e pela Bandeirantes, sendo líder de audiência no seu horário. Ainda de acordo com as matérias jornalísticas, esse episódio não ocorreu por acaso, sendo, na verdade, uma ação de marketing que teria partido dos próprios assessores do atleta. Segundo consta, a iniciativa foi muito comemorada pelos executivos da Lupo, que teriam ficado muito satisfeitos com a divulgação da marca. Destaque-se, contudo, que a FIFA e a UEFA proíbem qualquer tipo de propaganda não autorizada por elas, o que gerou certo constrangimento entre as partes envolvidas no caso.

Fazendo um paralelo com esse episódio e levando-se em consideração que, de fato, tudo isso ocorreu por uma ação de marketing, poderíamos concluir que, caso o evento tivesse ocorrido durante a Copa do Mundo a ser disputada no Brasil a partir do mês de junho, Neymar poderia ser preso em flagrante ao final da partida. É isso mesmo! Vejam a que ponto nós chegamos, ou melhor, a que ponto chegou o nosso Direito Penal, que, com base no princípio da intervenção mínima e da fragmentariedade, não deveria se preocupar com esse tipo de conduta.

Explico. No dia 05 de junho de 2002, após grande polêmica no Congresso Nacional, foi publicada a Lei n°12.663/2012, chamada de Lei Geral da Copa, cujo conteúdo envolve um microssistema diretamente ligado ao evento recepcionado pelo nosso país. É interessante salientar que esse diploma normativo trata de vários ramos do Direito, tais como Direito Civil, Direito Administrativo e, como não poderia deixar de ser, Direito Penal.

No que se refere especificamente à esfera criminal, é mister esclarecer que a Lei determinou no seu artigo 36 que os tipos penais incriminadores terão vigência até o dia 31 de dezembro de 2014. Trata-se, pois, de tipos penais temporários.

Nesse sentido, David Pimentel Barbosa de Siena assevera que “os tipos penais definidos pela Lei Geral da Copa devem seguir a regra disposta no artigo 3°, do Decreto-lei n.2848, de 07 de dezembro de 1940 – Código Penal, que excepciona o princípio da retroatividade benigna. É dizer: a Lei Geral da Copa deverá ser aplicada aos fatos praticados durante sua vigência, ainda que decorrido o período de sua duração”.[2]

Feita essa observação, podemos voltar ao caso Neymar. Afinal, qual crime o atleta teria cometido se o episódio retratado nesse texto tivesse ocorrido durante a Copa do Mundo? Para responder essa pergunta, é indispensável a análise do artigo 33, da Lei Geral das Copas, senão vejamos:

Art. 33. Expor marcas, negócios, estabelecimentos, produtos, serviços ou praticar atividade promocional, não autorizados pela FIFA ou por pessoa por ela indicada, atraindo de qualquer forma a atenção pública nos locais da ocorrência dos Eventos, com o fim de obter vantagem econômica ou publicitária:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano ou multa.

Conforme se depreende do mencionado tipo penal incriminador, que ganhou o nomen iuris de marketing de emboscada por intrusão, o astro do futebol brasileiro teria praticado, ao menos em tese, esse crime, podendo, inclusive, ser preso em flagrante ao final da partida, desde que, é claro, tudo isso tivesse ocorrido durante a Copa do Mundo no Brasil.

Nesse contexto, o tipo penal em análise pune a conduta daquele que expõe (coloca em evidência) marcas, negócios, estabelecimentos, produtos e serviços ou, ainda, pratica atividade promocional (divulgação da marca para aumentar seu valor) sem a autorização da FIFA ou outra pessoa por ela indicada. Demais disso, para que o delito se caracterize, é necessário que tais condutas sirvam para atrair, de qualquer forma, a atenção pública nos locais em que se realizam os eventos. Por fim, o tipo também exige um elemento subjetivo específico, qual seja, o seu autor deve ter a finalidade de obter vantagem econômica ou publicitária.
Ora, no caso em questão parece claro que Neymar expôs (colocou em evidência) a marca de sua cueca, atraindo a atenção do público (local ou virtual), sem a autorização da FIFA (que, por sinal, não gostou nada!) e dentro de um evento organizado por ela. É inegável, outrossim, que o jogador auferiu vantagem econômica por meio dessa conduta (foi pago pra isso!). Diante do exposto, conclui-se pela tipicidade de sua conduta, que poderia dar ensejo a sua prisão em flagrante caso isso ocorresse durante a Copa.

Da mesma forma, a empresa patrocinadora do atleta também seria responsabilizada penalmente, tratando-se, no caso, de um claro exemplo de concurso de pessoas, em que o responsável legal pela Lupo responderia em coautoria com Neymar, nos termos do artigo 29, do Código Penal. Advertimos, todavia, que há uma tênue distinção entre as condutas. Assim, a empresa seria punida por praticar atividade promocional, atraindo a atenção do público, sem a autorização da FIFA e com a finalidade de auferir vantagem publicitária – de maneira direta – e econômica – de maneira indireta. Nessa situação, o atleta seria utilizado apenas como um instrumento para promoção da marca, o que não afasta a sua responsabilidade.

Outras duas observações merecem destaque. Primeiramente, nos termos do artigo 34 da Lei Geral das Copas, o crime em questão somente se procede mediante representação da FIFA. Demais disso, por se tratar de um delito de menor potencial ofensivo, seus autores estarão sujeitos a todos os institutos despenalizadores previstos na Lei n°9.099/95, podendo o auto de prisão em flagrante, por exemplo, ser substituído pela lavratura de um Termo Circunstanciado da Ocorrência.

Por fim, de tudo que foi discutido nesse estudo, podemos concluir que a Lei Geral da Copa tem como foco principal atender, especialmente, aos interesses da entidade responsável pela organização do evento: FIFA. No seu aspecto criminal esse fato torna-se ainda mais evidente, haja vista que os tipos penais incriminadores previstos na Lei têm como sujeito passivo principal essa entidade.

Nota-se, assim, a força que a FIFA possui, a ponto de interferir na soberania popular de um país supostamente democrático. Se não bastasse o excessivo gasto de dinheiro público com estádios que, na maioria dos casos, se tornarão verdadeiros elefantes brancos, nosso povo ainda precisa se resignar com os mandos e desmandos de uma das entidades mais corruptas do esporte mundial. Como jurista e entusiasta de uma visão constitucional do Direito Penal, que deveria se preocupar apenas com a proteção dos bens jurídicos mais importantes para a sociedade e para o próprio Estado, lamentamos o fato do nosso Poder Legislativo atuar com foco nos interesses exclusivos de uma determinada entidade, especialmente quando, para tanto, é utilizada a ultima ratio.

Independentemente disso, como bom brasileiro eu espero que o Neymar se cuide, afinal, não queremos que sua atenção na Copa do Mundo seja perturbada com banalidades do Direito Penal.

[2]PIMENTEL BARBOSA DE SIENA, David. Lei Geral das Copas: disposições penais temporárias. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/22016/lei-geral-da-copa-disposicoes-penais-temporarias. Acesso em 17.04.2014.Delegado de Polícia do Estado de São Paulo. Mestrando em Direitos Difusos e Coletivos. Pós-Graduado com Especialização em Direito Público. Professor da Graduação e da Pós-Graduação do Centro Universitário Salesiano de Lorena/SP.

saniDelegado de Polícia do Estado de São Paulo. Mestrando em Direitos Difusos e Coletivos. Pós-Graduado com Especialização em Direito Público. Professor da Graduação e da Pós-Graduação do Centro Universitário Salesiano de Lorena/SP.

Fonte: Jus Navegandi

 

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