Fila humilhante – por Carlos Santiago

Carlos Santiago é Sociólogo, Analista Político e Advogado

Dirigindo o veículo em direção ao bairro Dom Pedro, encontrei uma enorme fila de gente que “abraçava” o Centro de Convenções Vasco Vasques. Desci do carro e vi pessoas humildes e observei que a maioria calçava sandálias, vestimentas sem luxo. Algumas estavam com fome e sede, porque tinham dormido naquele lugar. Todos buscavam um brilho de cidadania. Uma senhora com idade avançada me disse que era um evento do Estado para “tirar documentos simples”. Um velho senhor cabisbaixo ouvia a nossa conversa. Parecia que estava com vergonha daquela situação. Nesse momento a polícia chegou enquadrando quem não obedecia a fila. Eu não entendia como a República Brasileira que tem como um dos princípios a defesa dignidade da pessoa humana estava contribuindo com aquele tormento.


Pensei em enviar reclamação aos poderes de Estado, aos órgãos públicos de fiscalização da administração pública e aos que devem ajudar os vulneráveis para que tomassem providências administrativas e judiciais cabíveis. Logo, recebi informações de que o evento envolvia o Conselho Nacional de Justiça, o Tribunal de Justiça do Amazonas, o Ministério Público e até a Defensoria Pública. Então, solicitar correição de quem são os responsáveis seria absolutamente infrutífero, ou como dizem os juristas, nulo.

Lembrei das palavras do Arcebispo Emérito de Manaus, Dom Luiz Soares Vieira, diante dos inúmeros assaltos acontecidos nas igrejas católicas de Manaus, mas sem muita solução pelas autoridades Estado: “não posso nem apelar ao bispo sobre os assaltos, pois o bispo sou eu, um desesperado atrás de ajuda”. E eu pensei até em enviar, no caso da fila humilhante no Centro de Convenções Vasco Vasques, uma carta ao novo Papa Leão XIV expondo a situação dos cristãos amazonenses. Quem sabe um homem próximo de Deus poderia sensibilizar o coração das autoridades.

Filas humilhantes na terra manauara não são novidades. Quem não se lembra das filas de milhares de pessoas para conseguir fazer o teste de COVID 19, que foi organizado pela Prefeitura de Manaus, no Studio 5 e no Centro de Convenções Vasco Vasques? E as entregas de peixes na Semana Santa pelo Poder Executivo do Estado? Sol, chuva e sofrimento para obter um simples diagnóstico médico ou para comer um pouco de peixe na Semana Santa. Isso revela um país rico de leis, mas com um povo pobre, sem cidadania.

É possível que um dia tudo isso mude e o povo deixe de sofrer humilhação em filas. Porém, é necessário que ele levante a cabeça e cobre que seja tratado pelas autoridades com dignidade, pois paga os exagerados tributos, os serviços públicos, a gorda remuneração das autoridades públicas, e merece ser respeitado em seus direitos. Direitos de cidadão. Constituição e cidadania, cidadania e Constituição, laços inquebráveis. Nesse dia, os seus representantes e as autoridades terão que pedir desculpas sempre que os serviços públicos forem ineficazes e humilhantes.

Como se diz no Direito: os direitos de cidadania não devem ser apenas declarados, devem, necessariamente, ser assegurados e garantidos. Poderíamos mesmo extrapolar esse entendimento e dizer que os direitos de cidadania são a pedra de toque de todo o arcabouço jurídico brasileiro. Mas isso soa, nos dias atuais, como uma grande utopia.

Carlos Santiago é Sociólogo, Cientista Político e Advogado.

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