Às 14h do dia 10 de abril de 1984, ônibus e barcas de Niterói (RJ) suspenderam a cobrança de passagens, para facilitar a passagem de quem seguia rumo à Avenida Presidente Vargas. Composta por pessoas que queriam o direito de escolher seus governantes, a aglomeração começou perto do palanque armado nos fundos da Igreja da Candelária.
Ás 16h10, o primeiro orador abria o Comício da Candelária pelas ‘Diretas Já’, que, há 30 anos, marcava o início do processo de redemocratização do País após 20 anos sob o comando dos militares.
Mais de 1,5 milhão de pessoas tomaram o centro do Rio naquele dia, num comício que durou mais de cinco horas — se tornando a maior manifestação da história do País até então.
Naquela tarde, subiram ao palanque mais de 50 oradores, entre eles o ex-governador Leonel Brizola, o jurista Sobral Pinto e o deputado Theodorico Ferraço. Dissidente do PDS, partido que dava sustentação ao regime militar, Ferraço viajou o País para participar de comícios em defesa das eleições diretas para presidente e foi o único governista a discursar naquele dia pelas eleições diretas.
Ele foi apresentado ao povo, no Comício da Candelária, pela atriz Lucélia Santos, que, habilidosamente, transformou as vaias em aplausos. Hoje, Theodorico Ferraço, pai do senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), é presidente da Câmara Legislativa do Espírito Santo. Em conversa com o R7, ele conta o que disse aos manifestantes há 30 anos, como foi o comício e comenta o momento mais marcante do movimento.
R7 – Qual sua melhor lembrança do comício da Candelária?
Theodorico Ferraço – Tive o prazer de colocar no meu armário o título de político mais aplaudido de toda a história do Brasil, porque eu era o único deputado remanescente do governo que teve a coragem e a audácia de tomar partido. E isso, realmente, deixou uma lembrança muito grande.
R7 – O que o senhor disse para deixar o povo tão comovido?
Ferraço – Eu disse que já tinha passado da hora dos militares voltarem para os quarteis, e que o governo tinha que ser entregue ao poder civil. [Disse] Que a democracia era o melhor caminho para o País. As pessoas foram ao delírio, e eles [organizadores] estavam preocupados de eles [o povo] não me receberem bem. Foi o discurso mais aplaudido. Eu, ali, era o único contrário ao PT, ao PMDB. Quem fez a minha apresentação foi uma atriz. Ela também preparou a população. Não sei se os aplausos foram mais para mim ou para ela.
R7 – Qual era o clima do comício? Houve confusão?
Ferraço – O clima era fantástico, até porque eu era muito amigo do Brizola. No fim do comício, fui jantar com ele. Foi um comício tranquilo. Me lembro que estava com o Ulisses [Guimarães], o Tancredo Neves, Brizola e vários oradores. Foi muito tranquilo. Os entendimentos democráticos foram muito importantes.
R7 – Por que o senhor tomou a decisão de apoiar as eleições diretas?
Ferraço – Precisava ser tomada uma decisão e eu tomei. Eu precisava dizer ao povo brasileiro o que estava na minha garganta e na garganta do povo brasileiro. Eu fui o único orador do partido do governo que teve coragem de dizer que estava na hora de eleição direta e que estava na hora de o povo governar o País e que os militares já tinham cumprido o seu dever. Um legado que guardo até hoje.
R7 – Como o senhor avalia a postura do presidente João Batista Figueiredo à época?
Ferraço – O presidente Figueiredo já estava no caminho para a democracia. Ele já estava com muitos problemas nas Forças Armadas, principalmente com o pessoal radical, mas o presidente foi um grande companheiro em favor da democracia brasileira. [Foi] Quem bateu o martelo, quem colocou o cavalo na rua.
