Governo instável(Por Paulo Figueiredo)

Advogado Paulo Figueiredo (AM)

Mais do que interino, o governo Temer revela-se instável. Navega ao sabor dos ventos que sopram do Congresso Nacional e há riscos de não consolidar-se no poder. Lula, o velho malandro, aposta todas as fichas no retorno de Dilma, pois sabe como ninguém que nela tem sua única tábua de salvação. Ainda que um tanto quanto remota, trata-se de uma possibilidade real, porquanto qualquer mudança nas pedras do placar estreito favorável ao impeachment no Senado Federal pode ser fatal.
Lula já trabalha nesse sentido e busca cooptar alguns poucos senadores, a fim de reduzir a exigência constitucional para menos de 2/3, fato que lhe permitiria trazer a presidente de volta ao Planalto. Temer, por isso mesmo, anda entre a cruz e a caldeirinha, pisa em ovos, e vai compondo a duras penas o novo governo com o Congresso Nacional. Em princípio, até o afastamento definitivo de Dilma, dispõe de limitadas margens de manobra, sem que tenha condições de evitar a presença na administração de figuras suspeitas e carimbadas pela opinião pública.


Enquanto os chamados movimentos sociais insistem em resistir ao “golpe”, o governo atua na contramão dos grandes contingentes da população que protestaram pelo impeachment da presidente criminosa, que hoje vive como um zumbi, aérea e sonambúlica, entre os belos espaços da arquitetura de Niemeyer no Alvorada, às custas do contribuinte. O movimento é agora engrossado pela participação de artistas, em sua ampla acepção, inconformados com a extinção da boquinha do Ministério da Cultura. Uma vergonha a partição de milhões de reais da Lei Rouanet em favor do afilh adismo cultural.

E o campo torna-se fértil, na medida em que o governo tem dificuldade de corresponder aos anseios da sociedade, que exige uma gestão pontuada pela ética na política e pela moralidade no trato da coisa pública, com atores que possam traduzir esses sentimentos. Impossível digerir a nomeação do deputado André Moura como líder do governo na Câmara, com robusta folha corrida, recheada de processos criminais, por corrupção, improbidade administrativa e tentativa de homicídio. Expõe em sua indicação as digitais do notório Eduardo Cunha, que segue manobrando os cordéis da maioria na Câmara Federal. Como se não bastasse, Moura integra e representa o baixo clero, o que há de mais deplorável no parlamento, o novo “Centrão”, formado por mais de 300 deputados, que encontra origens lá atrás, no processo constituinte de 1988.

Mas é o Congresso que temos. Um espelho, um retrato sem retoques do povo brasileiro e de seus múltiplos estamentos, que se projetam pelas assembleias legislativas e câmaras municipais das diversas unidades da Federação brasileira, “mutatis mutandis”. Bem ou mal, é com ele que o governante é obrigado a operar, ciente de que, sem seu apoio, inviabiliza-se a administração. Temer, com longa passagem pela Câmara Federal, inclusive como presidente da casa em dois mandatos, conhece bem os meandros do poder legislativo. Portanto, mais do que qualquer outro mandatário, tem como imprescindível o aval do Congres so ao seu governo, especialmente nas circunstâncias em que assumiu o comando da Nação, marcadas pela transitoriedade.

O presidente anda sobre o fio da navalha, entre Renan Calheiros e Waldir Maranhão, ao lado de alguns próximos companheiros de viagem. Que tragédia! Calheiros, com cerca de 12 inquéritos e processos criminais em curso no Supremo Tribunal Federal, continua presidindo o Senado, insolente e mais ativo do que nunca, cangaceiro, nas palavras do ex-senador Delcídio do Amaral. E Maranhão, lasso e chocarreiro, é a expressão da idiotia levada às últimas consequências, responsável maior pela crise que envolve a Câmara, após a desastrada decisão de anular o processo de impeachment, mais tarde revogada pe lo próprio.

Com tal moldura, a composição do ministério não poderia ter outra configuração ou desenho, ainda que lamentável para quem ocupou as praças e ruas do país, em clamor contra a presença de Dilma Rousseff no poder central da República. Com citados e investigados pela Lava-Jato, mesmo considerando que não há condenação, compromete-se o projeto ansiado pela população. No caso, não basta ser probo, mas precisa parecer probo, com as inquietações que grassam profundas no seio da sociedade, em momento delicado e crucial da vida nacional.

Hoje, no coração do poder, em seu núcleo duro, no círculo mais chegado ao presidente, não há quem desperte muitas esperanças, pelo currículo que ostentam. No entanto, gratifica ver no ministério a titularidade de Meirelles, na Fazenda, de Serra, nas Relações Exteriores e Comércio Internacional, de Parente, na presidência da Petrobras, e de Maria Sílvia, no BNDES.

Mas, como Temer não tem maiores alternativas, “voilà tout”, como dizem os franceses.(Paulo Figueiredo – Advogado, Escritor e Comentarista Político – [email protected])

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