

Manaus intumesceu, ganhou dimensão inimaginável. A Zona Franca e seu distrito industrial tornaram-se um polo de atração irresistível e grandes contingentes do interior e dos estados vizinhos aportaram âncora em Manaus. Logo a cidade experimentaria uma sucessão de graves problemas urbanos e nela não enontramos mais a província que tanto amamos no passado, na medida em que continua bem distante de alcançar o conforto das metrópoles, embora apresente agora muitos de seus defeitos.
Desfiguraram-na. Anda hoje desajeitada, realmente irreconhecível. O trânsito é infernal e as ruas mostram-se sujas e malcuidadas, com ondulações asfálticas tobogânicas. Com vias crivadas de crateras, mesmo em seus bairros tidos como nobres ou privilegiados, qualquer pequeno percurso é transformado num exercício difícil de suportar. São grandes e de toda ordem os prejuízos suportados pelos transeuntes que se submetem ao desafio diurno de caminhar pelo conjunto da cidade. Não há calçadas laterais e os deficientes não merecem o menor respeito da municipalidade.
O transporte coletivo é caótico e Manaus não dispõe de transporte de massa, mesmo com seus mais de dois milhões de habitantes. Na administração municipal, o improviso dá o tom e a ausência de planejamento conduz à adoção de propostas que agudizam as mazelas urbanas existentes, ao invés de resolvê-las ou mitigá-las, pelo menos. As enormes extensões dos bairros periféricos da cidade – e Manaus é extremamente horizontalizada – ficam à mercê de sua própria sorte, relegados ao abancono, sem receber do poder público a assistência devida, diante de demandas urgentes e que se avolumam em progressão geométrica. Chega-se sempre com atraso aritmético e o remendo de ações paliativas e tímidas evidenciam ainda mais toda uma sucessão de dificuldades que vêm tornando a vida insuportável em conglomerados que formam um longo cinturão de pobreza e miséria em torno da urbe.
Na outra ponta, há de se considerar que somos um Estado de modestíssimos recursos públicos, um cobertor bem pequeno para cobrir um corpo geográfico e humano avantajado. Manaus, ainda que na frente dos demais municípios amazonenses, que amargam situação de penúria secular, também jamais conseguirá enfrentar suas responsabilidades sem o concurso de aportes vultosos do erário federal e estadual. A propósito, independente das obrigações referentes às transferências financeiras regulares e legais, trata-se de um dever tipificado como cláusula constitucional exponencial da Federação, que impõe a persecução permanente da superação das desigualdades entre as mais diversas regiões do país.
Não se pode, portanto, discriminar ou retardar ações em função de opções políticas e partidárias de administradores eventuais, uma vez que qualquer atitude retaliativa implicará em danos irreparáveis a serem experimentados pela população, especialmente por seus estamentos mais vulneráveis e sofridos. Não há como adiar investimentos pesados em mobilidade urbana, que possam propiciar a adoção de sistemas modernos e integrados de transporte público, sem o aproveitamento grotesco de modelos que se mostraram falidos desde o nascedouro, do tipo Expresso, uma iniciativa caríssima, equivocada e mal elaborada.
A cidade sofre bloqueio urbano histórico, com vias importantes que não se comunicam, enquanto os reduzidos corredores atuais de trânsito acham-se inteiramente saturados. Ou abrimos novas e largas avenidas, interligando as artérias já existentes, que podem ser transformadas em escoadouros de real densidade, ou não sairemos do lugar, com a exacerbação do quadro já de todo intolerável. E será de grande monta a soma de meios financeiros, como é facilmente perceptível, para que se possa atingir tamanhos objetivos, que nunca serão alcançados sem o concurso da União e do Estado.
Os projetos, por sua vez, devem guardar dimensão global e a cidade precisa ser olhada como organismo único, claro que levadas em consideração todas as suas peculiaridades. O rio, ainda que perdidas muitas de sua veias laterais, com o soterramento criminoso de seus igarapés e braços de águas translúcidas, permanece como condutor maior de nosso destino caboclo, sem o qual não nos veremos como povo e civilização amazônica. Ele é a bênção, comanda a vida, como nos diz Leandro Tocantins, pronto para incorporar-se com reconhecida relevância ao dia a dia do cidadão, com suas fímbrias banhando a face de Manaus, do Tarumã ao Puraquequara. Pode ser a aorta de intercomunicação de vasos da cidade, em integração interior, permitindo-nos conquistar uma vida urbana digna e confortável, conferida a todos sem qualquer espécie de distinção.(Paulo Figueiredo – advogado, escritor, analista político – [email protected])