Importância da leitura – por Flávio Lauria

Flávio Lauria é Administrador de Empresas e Professor Universitário

Poucos brasileiros entendem o que leem. Não passam de 25% segundo pesquisa recente do Ibope. Vale dizer que a maioria da população se mantém nos limites de uma deficiência instrumental que torna sombrio o prognóstico quanto ao futuro da nação.
A leitura é um dos últimos recantos da liberdade intelectual. Quem lê cria tanto ou mais que o autor. Com a imaginação solta, o leitor elabora mentalmente os cenários, compõe o perfil dos personagens, interpreta diálogos, identifica afinidades pessoais e vive, a seu modo, o prazer e a infinitude das emoções potencialmente contidas no texto. Quem lê não recebe imagens prontas, coloridas, acabadas. Tem de construí-las pelo processo do entendimento e interpretação. O leitor nunca é passivo. Exercita, o tempo todo, os mecanismos psicodinâmicos que fundamentam, estruturam e aperfeiçoam a consciência.


Por isso, desenvolve a criatividade, refina a percepção, aprimora o senso crítico e fica imune às manipulações que a comunicação pela imagem veicula como ingredientes de dominação. A leitura é problematizadora, induz a reflexão, suscita hipóteses, faz pensar. Já a comunicação pela imagem, ao ser utilizada como ferramenta de controle da opinião pública, é a negação do pensamento. Não passa de show visual cheio de efeitos especiais que despertam a sensação do fantástico, do extraordinário, do instantâneo e promovem a preguiça mental do expectador por meio do deslumbramento programado.

E o deslumbrado não pensa, admira. Não critica, assimila. Não forma sua opinião, repete a que recebe. Não reage, absorve. Não cria, consome. Não resiste, deixa-se aculturar. Não se afirma, submete-se. Não por acaso, as sociedades menos desenvolvidas e mais dominadas são justamente as que menos leem. São aquelas que admitem o analfabetismo com naturalidade, se é que suas elites não o perpetuam deliberadamente. Aliás, um dos indicadores de desenvolvimento usados na atualidade é o número de televisores difundidos pelo país. Não é o número de livros publicados ou lidos pelo cidadão.

Os grupos dominantes sabem muito bem que a palavra escrita é incontrolável e, portanto, libertadora, enquanto a imagem pode ser cientificamente ‘‘editada’’ para inibir a liberdade de pensamento. Nesse sentido, a palavra pertence à sintaxe da revolução, enquanto a imagem é a fonte da ilusão conservadora.

A Santa Inquisição não queimava apenas as ‘‘bruxas’’ e os hereges. Incinerava montanhas de livros em praça pública para que não fossem lidos. Da mesma forma, em nosso país, agentes dos governos militares invadiam casas de ‘‘subversivos’’, apreendiam e destruíam livros cujos títulos e autores integravam a lista dos proscritos do regime. Os jornais escritos foram duramente censurados, quando não empastelados. Em vez de criarem escolas para alfabetização e estímulo à leitura, optaram pela rede de televisão concebida como monopólio destinado a subjugar o povo, impondo-lhe novos padrões de consumo e dependência externa.

Flávio Lauria é Administrador de Empresas e Consultor.

Nos primeiros momentos houve necessidade de recurso às tropas para sufocar a resistência das gerações ainda formadas pela leitura. Mas, com o passar dos anos, a estratégia de controle pela mídia eletrônica produziu os resultados projetados. As gerações educadas pelos shows domingueiros e pela Xuxa de todas as manhãs foram se distanciando do hábito de ler e se desinteressando da palavra, do pensamento crítico, do vernáculo.

A invasão cultural não tardou a nos americanizar, transformando-nos em consumidores da Disney, da violência enlatada, ou dos Big-Macs que já têm o sabor dos novos tempos. A comunicação pela imagem eletrônica é a tropa de ocupação dos tempos modernos. Sua eficiência é indiscutível.

O império mais violento da história da humanidade é mantido e ampliado por meio das imagens cuidadosamente montadas que nos chegam via satélite. O último recanto da liberdade intelectual vai sendo assim tomado de assalto pela ditadura eletrônica. O pensamento humano tornou-se prisioneiro de telas e cabos. Contudo, nos piores momentos de repressão, nunca se deixou de escrever e ler. Ainda que clandestinamente. E foi, quase sempre, na clandestinidade que se produziram os textos e leituras que transformaram a história do homem.

O escritor e o leitor dos dias atuais não são espécies em extinção, mas militantes da resistência libertária empurrados para a clandestinidade. Vivem nas catacumbas do atual império, mantendo, com a palavra escrita e a leitura, a réstia de luz transformadora que emana do ato de pensar para iluminar os rumos do futuro.

Artigo anteriorGoverno federal recorre de decisão que suspende seleção do Sisu
Próximo artigoMais de mil turistas são recepcionados pela Reino Unido da Liberdade

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui