Índio brasileiros continuam na penúria – por Garcia Neto

Encomendada pela CNA ao instituto Datafolha, uma das mais completas pesquisas de opinião já realizadas no Brasil revela o que a população indígena almeja para o futuro. Mesmo dependente do governo, ela busca progredir socialmente por meio da educação .
Índios brasileiros querem mais cidadania do que terras.
Índios brasileiros querem mais cidadania do que terras.

A pergunta que não quer calar: o que está emperrando o processo de implementação das políticas públicas que considerem e respeitem a cultura, os costumes e as perspectivas futuras dos povos indígenas brasileiros? Os seguidos movimentos organizados pelas lideranças indígenas mais respeitadas, desde a década de 1980, ainda não conseguiram o pleno reconhecimento de suas organizações sociais, línguas, crenças e tradições. A coisa não anda e os índios continuam recebendo tratamento das autoridades como se fossem párias da sociedade.


Evidente que acompanhamos a movimentação das representações do Amazonas em Brasília durante a elaboração da Constituição de 1988, entre elas os Tikuna, os Tucano, os Baniwa e os Saterê-Mauê, na defesa de uma Educação Escolar Indígena que garantisse a autonomia e a liberdade de pensar o mundo, valores e significados de cada povo, que cada sociedade nativa tenha garantido o direito à educação e dela perceber a necessidade de reorganizar a manutenção de seus territórios através de um modelo voltado para o desenvolvimento local sustentável, na perspectiva do bem viver.

Encomendada pela CNA ao instituto Datafolha, uma das mais completas pesquisas de opinião já realizadas no Brasil revela o que a população indígena almeja para o futuro. Mesmo dependente do governo, ela busca progredir socialmente por meio da educação .
Encomendada pela CNA ao instituto Datafolha, uma das mais completas pesquisas de opinião já realizadas no Brasil revela o que a população indígena almeja para o futuro. Mesmo dependente do governo, ela busca progredir socialmente por meio da educação .

Até agora, nada, ninguém ouve nem escuta o clamor desses povos, que continuam na penúria. Até parece que a situação é bem comum quando leio notícia nos jornais o diretor do Museu do Índio/Funai-RJ, o antropólogo José Carlos Levinho, dando conta de que o Brasil “corre o risco de perder, no prazo de 15 anos, um terço de suas línguas indígenas”. O Brasil possui uma grande diversidade lingüística e cultural que precisa ser melhor conhecida, documentada e preservada e este patrimônio corre o risco de desaparecer, em grande parte, no decorrer desse século.

O MEC (Ministério da Educação) garante que “tem investido na pesquisa e documentação de línguas indígenas, na preparação de materiais didáticos e na construção de escolas indígenas, o que não é o suficiente. É preciso que os governos busquem o diálogo com os indígenas e levem em consideração a singularidade de cada povo. “É preciso enxergar o outro de verdade, respeitar o outro do jeito que ele é, e criar as condições para atendê-lo em sua plenitude”.

O que está faltando para que o índio seja respeitado como cidadão, como cidadão brasileiro, com direito a vez, voz e voto. Será preciso que os índios voltem às suas origens, de tacape em punho bradando o grito de guerra contra a tirania branca do século XXI? Entendo que, nos dias de hoje, a educação é um dos pilares mais importantes para o movimento indígena, já que desde os tempos em que esse povo vivia sob o regime semifeudal a educação era-lhe negada.

Ao contrário do Brasil, os nativos do Equador mobilizaram 12 etnias num movimento que acabou por criar o partido Pachakuti, que concorreria nas eleições de 1996. Nesse primeiro pleito, o Pachakuti conseguiu eleger 15 deputados – oito indígenas e sete aliados – num total de 70. No Brasil, em 125 anos de República só teve um parlamentar indígena: o Xavante Mario Juruna (1942-2002), eleito deputado federal pelo PDT de Darcy Ribeiro e Leonel Brizola, com mais de 30 mil votos, na eleição de 1982. Sua passagem pelo Congresso foi marcada pela tentativa de ridicularizá-lo e de transformá-lo num bufão.

Importante ressaltar que em 1998 os movimentos indígenas equatorianos tiveram participação direta na elaboração do texto da nova Constituição, a mais avançada da América Latina no que se refere ao reconhecimento dos direitos coletivos dos povos indígenas, como o da identidade dos povos, a manutenção de sua cultura, territórios e a administração de seus recursos naturais, formas de participação no Estado e desenvolvimento autônomo. De acordo com a Constituição, o Equador, além de ser um estado social de direito, soberano, unitário, independente e democrático, passou a ser também pluricultural e multiétnico.

Representando a evolução dos povos indígenas naquele país, em 2003, durante o curto governo de Lucio Gutiérrez, encerrado com sua renúncia em 2005, pela primeira vez na história dois indígenas ocuparam ministérios: Luis Macas assumiu a pasta da Agricultura e o líder indígena Niña Pacari ocupou a pasta das Relações Exteriores. E cabe ressaltar mais uma vez que, desde a posse de Juruna, em março de 1983, as causas indígenas vêm sendo postergadas e seus direitos adquiridos cada vez mais ameaçados, principalmente pela bancada ruralista no Congresso Nacional.

Professor Garcia Neto
Professor Garcia Neto

 

 

 

 

Infelizmente, a falta de respeito pelo semelhante prevaleceu durante a passagem de Juruna pelo Congresso Nacional. Como exemplo, o sempre ridículo Jô Soares, no seu programa humorístico na Globo, criou um índio que mal sabia falar o português para que os telespectadores rissem dele. O último presidente militar, o general João Baptista de Figueiredo, foi o primeiro a dizer que o Rio de Janeiro só tinha elegido “índios e cantores de rádio”. Seu ministro da Aeronáutica, Délio Jardim de Matos, externou a definição inconfessável que estava em todas as cabeças da direita o “aculturado exótico”.

Se o cacique Juruna tivesse o apoio de seus “parentes” para uma grande revolução os índios hoje não estariam na penúria. Teriam, sim, uma representação bastante significativa no Congresso Nacional, fazendo frente aos interesses do agronegócio, da bancada ruralista, das mineradoras, das madeireiras e empreiteiras.

 

 

 

 

*Garcia Neto é jornalista e professor universitário.

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