Intolerância Humana – por Flávio Lauria

Flávio Lauria é Administrador de Empresas e Professor Universitário

Cada época desenvolve suas próprias formas de patologias. O Mundo atual sofre de um mal-estar que parece exigir um olhar e diagnóstico cuidadoso. A atitude humana perante o estar no Mundo tem se degradado espantosamente. A vida vem sendo tratada como um espetáculo banal, algo simples e desprezível que dela se faz uso para fins “naturalmente” destrutivos. E não estou falando só da guerra contra a Ucrânia. Esse tipo de atitude vem sendo fortalecida nos contextos em que crescem os narcisismos e as intolerâncias, promovendo um desapreciação crescente do cordial, do relacional, do amoroso. Felicidade passou a ser buscada apenas nas coisas, no consumo, na ostentação, no poder e não dentro do sujeito ou nas relações que estabelece.


O outro foi perdendo então seu lugar de parceiro e passou a ser visto como rival, concorrente, inimigo em potencial. Paradoxalmente, há na contemporaneidade, uma síndrome de insuficiência que induz a insatisfações e quadros depressivos, e uma síndrome do vencedor a qualquer preço que agudiza os narcisismos. Nenhum meio termo parece reunir a Humanidade em torno de atitudes que promovam sua saúde mental. Parece que perdemos o fiel da balança que aponta o caminho do meio.

Perdemos a fórmula sensível de buscar a felicidade no relacional, na cordialidade, na partilha com os outros. “Ser capaz de apreciar a vida em um processo que envolve uma crescente identificação com a felicidade e realizações de outras pessoas está tragicamente além da capacidade das personalistas narcisistas”, adverte C. Lasch. Narcísicos, perversos e fanáticos empurram a Humanidade para uma destruição de valores e da própria vida. “A tragédia em cena já não nos basta”, diz Artaud, assistimos ao vivo e a cores as destruições que procedem da orgia de intolerâncias que marcam os dias atuais. A uma Guerra Santa responde-se com Justiça Infinita. Um jogo sórdido que se estabelece em nome de Deus, para dizimar e oprimir as pessoas. Tolerância e bom senso tornaram-se valores obsoletos. Parecemos uma sociedade que perdeu o interesse pelo futuro. Essa apatia indica a morte de projetos coletivos que deem sustentação e sentido à vida das pessoas. Esse vazio leva as pessoas tanto a se suicidarem, como a tornarem-se bombas vivas do ódio e da intolerância.

O corpo humano feito instrumento bélico, tornou-se a mais imprevisível das armas, contra a qual nada pode prevenir, a não ser uma maior valorização da vida e das pessoas. Parece que chegamos ao fundo do poço da banalização de dimensões preciosas da existência. Modificar esse tipo de atitude supõe que se resgatem valores éticos, ou antropoéticos, como queria E. Morin, valores que se colocam a serviço do bem-estar do gênero humano. Supõe uma ética da tolerância que é a base do respeito ao ser humano. “Tolerar é renunciar a uma parte de seu poder, de sua força, de sua cólera… Mas ninguém quer renunciar a nada. “Não há tolerância quando nada se tem a perder ou quando se tem tudo a ganhar…”,diz Sponville.

Ansiamos pelo oxigênio da paz. Mas a paz que se quer para si e para o Mundo, terá de começar por cada um. Teremos de reaprender o gosto pelo ético, pelo relacional, pelo cordial. Teremos d desconstruir hábitos perversos de gozar com a dor alheia, de querer vitórias ao preço da autoestima dos outros. Nenhuma potência tem o direito de impor sua arrogância ao Mundo e fazer que outras nações se curvem diante de seus narcisismos feridos. A paz que buscamos como seres humanos, como cidadãos do Mundo, terá de começar por cada um de nós, processando corajosamente transformações internas que instalem em nós a vontade de paz, o exercício da tolerância, a capacidade do perdão. Do contrário, seremos como o lindo robô de Spielberg, no filme “Inteligência Artificial” que, embora programado para amar, vivia na inquietude de não ser humano, não podendo, portanto, ser feliz.

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