Durante a semana da literatura tive o prazer de acompanhar o escritor e professor Paulo Queiroz a uma escola municipal. Um menino, de seus doze anos, perguntou por que os livros do homenageado tinham temas sociais. Enquanto ouvia a resposta do professor fiquei refletindo sobre o por quê alguém se tornar escritor. Qual a escrita que não teria cunho social? Ao escrever qualquer coisa, o fazemos direcionado a pessoas, contamos histórias de pessoas inseridas na sociedade em que vivem. Mesmo as situações mais fictícias têm como pano de fundo a vida das pessoas. Mesmo situações de desenho animado, como o “impossível plausível” como dizia Walt Disney, têm por objetivo impressionar aos leitores.
Colegas sugeriram a leitura do livro “Literatura e Sociedade” de Antônio Cândido para melhor entender o papel do artista criador na literatura. Este artista, além de um dom natural precisa preparar-se para poder captar o sentimento social e apresentar isso em sua obra. Quando o leitor interage, sentindo-se o próprio personagem da obra literária, esta terá atingido seu objetivo. Para que isso aconteça é bom que o autor seja desse meio social, ou mergulhe fundo nele para transmitir com mais fidelidade o momento da narrativa que se propõe. Cândido também não diminui os artistas cujo preparo não seja acadêmico.
Contudo, quando falamos de “função social” da literatura, muitas vezes o leitor coloca o artista da caneta num plano superior merecedor de crédito. Na verdade, o autor apenas retrata a sociedade em que vive. Ele não é mais nem menos importante que outros “autores” sociais que não deixam registros escritos. Os registros vêm desde tempos imemoriais, quando não havia papel e as gravuras eram feitas em pedras. Nem podemos esquecer os registros orais tão comuns na antiguidade e ainda hoje entre os povos que não alcançaram a escrita formal. Sequer podemos deixar de dar crédito a esses registros orais porque eles são dignos dele.
Por outro lado, se o leitor (em tese menos preparado que o escritor) coloca o autor num pedestal, este se sente confortável nesta posição e a cultiva e cultua como se, de alguma forma, tivesse poder sobre seus personagens populares.
O autor de um livro, assim como o ator que representa uma peça, não tem necessidade de denunciar fatos negativos da sociedade, nem de maximizar valores que brotem dela. O simples fato de contar uma história, o comportamento de seus personagens já retrata o convívio social e deixa um registro que permite conhecer o grupo social no qual ela está inserida. Grandes romances e filmes que impactam sociedades futuras surgiram com base em fragmentos de registros feitos em situações muito adversas. Uma das mais famosas é “O Diário de Anne Frank” escrito por uma adolescente em locais em que não havia mesa de apoio nem iluminação adequada enquanto se escondia do exército nazista.
A humanidade sempre sentiu necessidade em deixar registros gravados. Enfim, um escritor apenas traz para o papel aquilo que existe na sociedade. Ele o faz sob um prisma todo pessoal, como um pintor retrata uma imagem da maneira como ele a vê. O mesmo pode-se dizer do músico ou outro artista. Para qualquer caso, mesmo havendo um dom natural, o preparo acadêmico ajuda a tornar tudo mais claro para quem lê. Afinal, se não houver identificação e até interação com leitor e personagem, a obra tende a ser insípida. O toque pessoal de uma obra torna sua leitura mais agradável, como a voz de um cantor coloca maviosidade num poema.