Megalomania cabocla (Por Paulo Figueiredo)

Advogado Paulo Figueiredo/AM
Advogado Paulo Figueiredo/AM

Há anos e anos, parodiando uma reflexão poética de Fernando Pessoa, somos campeões em tudo. Toda e qualquer obra ou iniciativa, aqui nestas plagas, sempre é a maior do Brasil. E do mundo, em alguns casos, como dizem a respeito da Arena da Amazônia. Mania grandeza? Com certeza, ao lado de outros interesses promocionais, típicos do político subdesenvolvido. Uma explicação, também quem sabe, pode residir no universo amazônico, que torna tudo muito pequeno quando comparado à grande hileia.

Deixadas de lado maiores elucidações ou justificativas, a realidade é sempre dura e incontestável. Quando chegam os números, produzidos por agências do governo brasileiro ou organismos internacionais, com índices indesmentíveis, é aí que a porca torce o rabo. A propósito, o rabo de quem já está e sempre esteve no rabo da fila. De campeões em tudo, na linguagem e no discurso oficial, passamos a derrotados em tudo.


É o que acontece agora com a apresentação do IDHM – Índice de Desenvolvimento Humano Municipal. Amargamos em Manaus o último lugar dentre as 16 regiões metropolitanas pesquisadas pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e Fundação João Pinheiro. As entidades são insuspeitas e o resultado é uma vergonha para a capital do Amazonas, que se arrasta em situação vexatória perante os olhos da Nação e de outros órgãos internacionais.

A despeito de termos na região, faz quase meio século, um instrumento poderoso de desenvolvimento regional – a Zona Franca de Manaus, agora vigente por mais 50 anos, continuamos patinando, quando não regredimos, em matéria de progresso social. A miséria explode na periferia da cidade, onde não chegam os serviços públicos mais elementares. Não temos rede de esgoto, a não ser a pequena malha implementada no centro histórico pelos ingleses, e as condições gerais de saneamento básico nas demais áreas são extremamente precárias ou inexistentes.

O transporte público é uma calamidade e as vias nos bairros distantes encontram-se praticamente intransitáveis, dominadas por crateras. As valas negras ameaçam a saúde já debilitada das populações na origem e o lixo toma conta de suas vidas, nas bordas dos igarapés ou em aglomerados populacionais insalubres. Há grandes contingentes de migrantes do interior e de estados vizinhos, inabilitados para a vida urbana, que atuam sem culpa como verdadeiros predadores de seu novo local de moradia.

A desigualdade em níveis crescentes marca a sociedade em Manaus e gera um quadro de violência pesada que aflora nas estatísticas sobre homicídios, latrocínios, assaltos, furtos e outros tipos de agressão à paz social. Ignorá-los é como tapar o sol com a peneira, na tentativa de ocultar o que salta aos olhos, exigindo providências imediatas do poder público, em todas as suas esferas de competência, cada um assumindo o compromisso de ajudar a debelar o carcinoma da insegurança. Na espécie, padecemos de igual modo dentre os piores no pódio do opróbrio, uma situação dramática e assustadora.

De um modo geral, essas questões têm dimensão nacional mas aqui, como agravante, andamos a passos de cágado, quando não parados. No IDHM, um desastre de avaliação sobre a existência saudável – vida longa e com saúde; a educação – com um mínimo de qualidade e eficiência; e padrões de renda da população – em patamares aceitáveis e decentes. Perdemos feio para São Luís, no Maranhão da família Sarney, pasmem os leitores, e estamos abaixo de Belém, Fortaleza, Natal, Recife e tantas outras cidades, sem que nenhuma delas tenha o modelo industrial que nos foi outorgado com os incentivos fiscais da Zona Franca.

Ao contrário de quem sustenta que haveria uma outra visão, se observada apenas a cidade de Manaus, excluídos os demais municípios da artificial região metropolitana, creio que na hipótese a situação seria bem mais penosa para a capital, em decorrência de suas características demográficas e territoriais. Os fatos, não tenho a menor dúvida, revelam-se em Manaus com maior intensidade, onde a realidade é crítica, pela vulnerabilidade de grandes segmentos sociais desamparados, no entorno próximo ou distante dos bairros que recebem tratamento urbano privilegiado.

Bem, seja qual for a ótica, importa é reconhecer e enfrentar os números vindos à tona com o IDHM, reconhecendo nossas limitações, e com a firme determinação de reverter o momento adverso. Nada de fanfarras ou discursos dissimulados ou grandiloquentes. Temos que sepultar de vez a manjada megalomania cabocla, que tanto mal tem causado ao Amazonas e seu povo.(Paulo Figueiredo – Advogado, Escritor e Comentarista Político –  [email protected])

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