
Uma tristeza, mas é o que temos. Ruim com ele, pior sem ele. Fora daí, a ditadura, tenha a coloração ideológica que tiver, para sempre abominável. Refiro-me ao Congresso Nacional, que nos ofereceu espetáculos deprimentes em suas duas casas, com a votação da reforma política e das medidas provisórias de ajuste fiscal de Dilma Rousseff.
Sem entrar no mérito das iniciativas de reorientação da economia, os senhores deputados aproveitaram a ocasião e enxertaram alguns deploráveis penduricalhos às medidas do governo. Um deles, autoriza a construção de um edifício no valor de mais de um bilhão de reais, que servirá como anexo da Câmara, já batizado de Parla Shopping. Terá estacionamentos, centenas de lojas e vários salões de beleza, onde suas excelências pentearão os cabelos, farão unhas, barba e bigode, deles saindo prontos para o ocioso desfile em seus corredores. Pasmem os leitores, um bilhão de reais, uma ninharia!, como se vivêssemos no melhor dos mundos, com dinheiro sobrando. Sem nenhum pudor, viram-se de costas para a grave crise que o país experimenta e esbanjam à vontade, no exato instante em que chancelam um assalto a direitos e conquistas históricas dos trabalhadores. E o Senado, nesse imbróglio todo, limitou-se a avalizar o que recebeu. Carimbou as medidas provisórias e o prédio bilionário, a pretexto de que os atos do Executivo perderiam vigência, caso retornassem à Câmara dos Deputados. Por essa e por outras tantas razões é que defendo a adoção do sistema unicameral, com a extinção pura e simples do Senado, cuja existência perdeu o sentido, ao transformar-se em instância homologatória das decisões da Câmara.
Como se não bastasse, os ilustres deputados ensaiam a pantomima da reforma política e anunciam mudanças sem a menor intenção de mudar coisíssima nenhuma. Fizeram exatamente o que recomendava Tancredi, o cínico príncipe Falconeri, personagem do romance “Il Gattopardo”, de Giuseppe Tomasi di Lampedusa: “para que as coisas permaneçam iguais ou como estão, é preciso que tudo mude”. O que se poderia esperar de uma figura como Eduardo Cunha, tão emblemática dos tempos atuais, a não ser o que terminou ocorrendo, à vista do brocardo invertido de que de onde menos se espera é que não sai nada mesmo. Como dizia o frade Giordano Bruno, lá no século XVI, somente com muita ingenuidade pode-se pedir a quem tem o poder para mudar as formas de constituição do poder.
Assim, com exceção do instituto da reeleição, revogado em princípio a partir de 2018, e da nova data para posse do presidente da República, tudo continuará como dantes no quartel de Abrantes. O sistema eleitoral permanece o mesmo, mantidas as regras do voto proporcional, com quocientes partidários. Outras alternativas, do tipo distrital misto, como é adotado na Alemanha, com ou sem sufrágio em lista, foram examinadas de forma perfunctória e logo rejeitadas. Ficaram evidentes as manobras orquestradas pelo presidente da Câmara, que jamais escondeu suas preferências pelo chamado “distritão”, uma excrescência em boa hora inadmitida, porquanto representaria uma pesada involução no sistema. E, no mesmo jogo do embuste, derrotaram o projeto que vetava as coligações em eleições proporcionais, nos três níveis da Federação, uma proposta que daria maior representatividade aos partidos. Serviria também para reduzir o grande número de siglas nanicas e de balcão, legendas de aluguel, hoje presentes no cenário promíscuo da política brasileira. Instituíram uma cláusula de barreira ridícula, condicionando a participação das legendas nos recursos públicos do fundo partidário e no direito de usar a TV, à eleição de apenas um deputado ou senador, como imposição fácil de ser cumprida.
Como a reforma versa sobre matéria constitucional, há de ser votada em dois turnos em cada casa do Congresso, exigindo-se, para sua aprovação, um quórum de 3/5 ou 60% de votos dos congressistas. Talvez assim a situação não esteja definida a tempo de ser aplicada nas próximas eleições municipais de 2016, uma vez que todas as modificações precisam ser aprovadas com um ano de antecedência de cada pleito. Mais uma razão para que a atual legislação eleitoral continue em plena vigência, uma hipótese que vem merecendo o apoio, velado ou expresso, dos celebrados representantes do povo brasileiro.
Na sequência, votação na Câmara somente após o feriado de Corpus Christi. E como andam suas excelências bastante extenuados de tanto trabalho, podem agora desfrutar de um merecido descanso. Afinal, ninguém é de ferro.(Paulo Figueiredo – advogado, escritor e comentarista político – [email protected])