MPF emite Nota sobre acontecimentos em Apuí e Humaitá

Sede do Ministério Público Federal/Am

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Sobre os acontecimentos registrados nos municípios de Apuí e Humaitá, no Amazonas, o Ministério Público Federal, através do correio eletrônico do 5o. Ofício Civil, da PR/Am, acaba de emitir NOTA/Recomendação que transcrevemos na íntegra:

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO AMAZONAS
Av. André Araújo, nº 358 – Aleixo – CEP 69060-000 – Telefone: (92) 2129-4700 r. 4750
Correio eletrônico: [email protected]
RECOMENDAÇÃO Nº 22/2013
5º OFÍCIO CÍVEL – PR/AM

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República que esta subscreve, no exercício das suas atribuições constitucionais e legais,

CONSIDERANDO a atribuição do Ministério Público Federal para a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, bem assim para a defesa judicial e extrajudicial das populações indígenas, nos termos dos artigos 5º, inciso III, alínea “e”, e 6º, incisos VII, alínea “c”, XI e XIV, “e”, da Lei Complementar n. 75/93, 127 e 129, inciso V, da Constituição Federal;

CONSIDERANDO as atribuições do 5º Ofício Cível sobre os procedimentos relativos aos direitos das populações indígenas, das minorias e demais matérias afetas à 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, nos termos do artigo 12, I, da Resolução PR/AM nº 01/2012;

CONSIDERANDO que, nos termos do artigo 6º, inciso XX, da Lei Complementar 75/93, compete ao Ministério Público “expedir recomendações, visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como ao respeito, aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover, fixando prazo razoável para a adoção das providências cabíveis”;

CONSIDERANDO o teor do art. 31, primeira parte, da Convenção nº

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO AMAZONAS

Av. André Araújo, nº 358 – Aleixo – CEP 69060-000 – Telefone: (92) 2129-4700 r. 4750 Correio eletrônico: [email protected] 169 da Organização Internacional do Trabalho, subscrita e ratificada pelo Brasil, segundo a qual “deverão ser adotadas medidas de caráter educativo em todos os setores da comunidade nacional, e especialmente naqueles que estejam em contato mais direto com os povos interessados, com o objetivo de se eliminar os preconceitos que poderiam ter com relação a esses povos (indígenas e tribais)”.

CONSIDERANDO o disposto no art. 16 da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, segundo o qual “os povos indígenas têm o direito de estabelecer seus próprios meios de informação, em seus próprios idiomas, e de ter acesso a todos os demais meios de informação não indígenas, sem qualquer discriminação. Os Estados adotarão medidas eficazes para assegurar que os meios de informação públicos reflitam adequadamente a diversidade cultural indígena. Os Estados, sem prejuízo da obrigação de assegurar plenamente a liberdade de expressão, deverão incentivar os meios de comunicação privados a refletirem adequadamente a diversidade cultural indígena.”

CONSIDERANDO que é um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV da Constituição), diretriz que deve guiar a interpretação dos demais preceitos constitucionais;

CONSIDERANDO que a liberdade de expressão, protegida em diversos preceitos da Constituição (art. 5º, incisos IV, IX e XIV, e art. 220, caput, porexemplo) é um princípio que comporta não apenas uma dimensão negativa, de defesa contra o Estado sobre o direito individual de manifestação do pensamento, essencial para a dignidade humana, mas também uma dimensão positiva que compreende deveres estatais concernentes à sua garantia e promoção por meio de ações positivas que assegurem a livre formação da opinião pública e o intercâmbio de ideias entre os

CONSIDERANDO que o pluralismo político é um dos fundamentosda República Federativa do Brasil, conforme art. 1º, V, da CR;

CONSIDERANDO que a Constituição de 1988 reconhece aos índiossua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, competindo à Uniãoproteger e fazer respeitar todos os seus bens (art. 231);

CONSIDERANDO que a Lei nº 7.716/1989, estabelece, em seu art.20, caput, que aquele que “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional” será penalizado com reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos e multa, sujeito à pena de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos se o crime for cometido por intermédio dos meios de comunicação ou publicação de qualquer natureza;

CONSIDERANDO que, nesse sentido, é dever do Estado assegurar o pluralismo nos meios de comunicação, externo ou interno;
CONSIDERANDO que o pluralismo interno consiste em proporcionar ao público um amplo acesso a informações e pontos de vista diversificados, bemcomo nos deveres positivos do Estado de estabelecer mecanismos organizacionais, substantivos e procedimentais que o garantam no espaço comunicativo;

CONSIDERANDO os fatos ocorridos no dia 25/12/2013, no município de Humaitá/AM, envolvendo manifestações, bem como atos de violência edepredação de bens públicos, notadamente de órgãos e autarquias federais relacionados a políticas públicas voltadas aos povos indígenas;

CONSIDERANDO que tais fatos estariam relacionados ao suposto
desaparecimento de 3 (três) pessoas na terra indígena Tenharim Marmelos;

CONSIDERANDO que, em razão dos acontecimentos, o município de Humaitá encontra-se em estado de instabilidade da ordem pública, diante da possibilidade de novos atos de violência;

CONSIDERANDO a ameaça crescente de manifestações e atos de violência contra as aldeias situadas nos territórios do povo tenharim;

CONSIDERANDO o teor de manifesto divulgado nas redes sociais e reproduzido pelo sítio eletrônico “Racismo Ambiental”, subscrito por integrantes de comunidade do distrito de Santo Antonio do Matupi, no qual se apontam quatro reivindicações, quais sejam:

“1º Queremos que a justiça tome uma decisão e puna os responsáveis por este ato criminoso;

2º Queremos o afastamento das aldeias das margens da rodovia transamazônica para que não haja mais contato com a comunidade;

3º O fim da cobrança do pedágio dentro da área indígena pelo fato de que ao parar um veículo para o pagamento do pedágio,
essa pessoa fica exposta as ações inesperadas dos índios (seqüestro, tortura, assassinatos etc); 4º Não queremos mais nenhuma etnia indígena estudando nas escolas da nossa comunidade”.

CONSIDERANDO o teor das informações publicadas na página
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virtual “Portal Apuí”, na rede social facebook1, relacionadas aos fatos narrados, antes e
depois dos acontecimentos, como demonstram as telas em anexo;

CONSIDERANDO que há publicações contidas na referida página que possuem conteúdo preconceituoso e racista, podendo configurar o crime previsto no art. 20, caput, da Lei nº 7.716/1989, bem como possuem caráter incitador de ódio e
violência;

CONSIDERANDO, ainda, que as aludidas publicações violam ostermos de direitos e responsabilidades da rede facebook, conforme item 3.7, nos seguintes termos: “Você não publicará conteúdo que: contenha discurso de ódio, seja ameaçador ou pornográfico; incite violência; ou contenha nudez ou violência gráfica ou desnecessária”.

Resolve RECOMENDAR:

I – Aos responsáveis pelas páginas do Facebook “Portal Apuí”, “Apuí On Line”, bem como a veículos de imprensa escrita da região dos Municípios de Humaitá, Manicoré e Apuí, além das emissoras de radiodifusão da região, que se abstenham imediatamente de publicar, difundir ou anunciar informações comconteúdo discriminatório, preconceituoso ou que, de qualquer modo, incite a violência, o ódio e o racismo contra os povos indígenas da região, notadamente o povo tenharim, bem como retirem, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, as publicações que possuam tal conteúdo;

II – À empresa responsável pelo sítio eletrônico de redes sociais “Facebook” (FACEBOOK Serviços On Line do Brasil LTDA.) que promova, em 24 (vinte e quatro) horas, a retirada das publicações e comentários contidos em páginas que constituam discurso de ódio contra os povos indígenas, notadamente contra o povo tenharim, como é o caso daquelas em anexo, tendo em vista a fundamentação acima e a política de privacidade do próprio sítio eletrônico;

III – Às emissoras de rádio da região (Municípios de Humaitá, Manicoré e Apuí) que garantam, a partir do momento em que tiverem ciência desta recomendação,ampla divulgação desta recomendação por 05 (cinco) dias seguidos, em períodos alternados entre 06 e20 horas, e assegurem igual e simultâneo espaço de manifestação aos povos indígenas que vivem na região sempre que forem relatados fatos que os mencionem, notadamente aqueles que supostamente tenham ocorrido em suas terras;

IV – Aos subscritores do manifesto de moradores de Santo Antonio do Matupi que o retirem imediatamente de circulação e se abstenham imediatamente de promover novas manifestações que instiguem as comunidades da região contra o povo indígena tenharim, tendo em vista que as medidas defendidas em manifesto, além de ofenderem a Constituição e a legislação infraconstitucional que rege as políticas públicas voltadas aos povos indígenas, podem configurar a prática de crime.

Encaminhe-se aos responsáveis pelos veículos de comunicação dos Municípios de Humaitá, Manicoré e Apuí, bem como por páginas do sítio eletrônico “Facebook” como “Portal Apuí” e “Apuí on line”, solicitando-lhes manifestação sobre o acatamento da recomendação em 24 (vinte e quatro) horas.

Encaminhe-se aos subscritores do manifesto relatado em http://racismoambiental.net.br/2013/12/am-caravanas-partem-de-apui-e-de-humaita-emdirecao- a-reserva-indigena-ideia-seria-fechar-br-e-realizar-busca-por-conta-propriamatupi- lanca-manifesto-anti-indigena/, bem como solicite-se à polícia militar no Estado
do Amazonas e à polícia federal que deem ampla divulgação a esta recomendação no

Encaminhe-se a presente recomendação à empresa responsável pelo “Facebook” no Brasil (FACEBOOK Serviços On Line do Brasil LTDA.) e aos veículos de comunicação dos Municípios de Humaitá, Manicoré e Apuí, para manifestação sobre o acatamento da presente recomendação em 24 (vinte e quatro) horas.

Encaminhe-se, ainda, aos representantes dos Municípios de Humaitá, Manicoré e Apuí e aos membros dos poderes legislativos locais, para conhecimento edivulgação.

Encaminhe-se ao Estado do Amazonas e aos representantes dos Municípios de Humaitá, Manicoré e Apuí para divulgação junto à população local, notadamente na sede do primeiro e no distrito de Santo Antonio de Matupi (km 180).

Encaminhe-se a todos os órgãos públicos da região (municipais, estaduais e federais), solicitando-lhes a afixação em local visível e de trânsito livre em suas sedes.

Encaminhe-se cópia da presente recomendação, com seus anexos, à Superintendência da Polícia Federal em Rondônia, para as providências que entendercabíveis no âmbito criminal.

Encaminhe-se ainda cópia da presente à Presidência da FUNAI, à Coordenação Regional da FUNAI em Humaitá, ao Exér cito brasileiro, à Força Nacional de Segurança e às lideranças indígenas tenharim.

Solicite-se o apoio da Polícia Federal, do Exército brasileiro e da Polícia Militar do Estado do Amazonas para que façam chegar a presente recomendação às pessoas nela mencionadas, bem como à população dos Municípios de Humaitá, Manicoré e Apuí, sobretudo aquelas residentes no km 180 da Rodovia Transamazônica (Distrito de Santo Antônio do Matupi).

Manaus, 27 de dezembro de 2013.
Julio José Araujo Junior
Procurador da República

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