O diabo são os outros – por Carlos Maltz

Não sei se alguém mais reparou, mas esse ano aconteceu uma coisa incomum. Bom, algumas coisas, alguém poderia dizer. Por exemplo: O Brasil perdeu por 7×1 numa semifinal em casa. Outra: um candidato a presidente, Eduardo Campos, morreu em um desastre aéreo em plena campanha. E temos ainda as montanhas russas imprevisíveis e emocionantes que foram, a copa, e a própria campanha para presidente. Sim, mas eu estou me referindo à outra coisa ainda. Falo da politização e da polarização que veio de carona com a campanha e não cessou com o final dela. Como costumava acontecer em outras edições deste tipo de campeonato.


– E isso é bom ou ruim? – Alguém poderia perguntar.

Penso que, como em qualquer fenômeno, seja de que natureza for, temos os dois lados da moeda.

A politização é o lado bom, por que o nível de participação e cobrança dos assuntos administrativos e propriamente políticos por parte de população estão provavelmente subindo para outro patamar. Parece que, cumprindo a profecia dos manifestos de rua do ano passado, o gigante decididamente resolveu acordar. As pessoas estão percebendo que o jogo político lhes diz muito mais respeito do que estavam querendo acreditar. Vencedores e vencidos estarão agora sob uma mira cerrada e precisa como nunca antes estiveram. Quem quiser ter alguma chance na próxima edição, terá que fazer por onde no desenvolvimento dos assuntos levantados nesta. Os últimos debates presidenciais bateram recordes de audiência em relação às campanhas anteriores. Não se iludam com os aproximadamente vinte milhões de votos nulos e brancos. Essas pessoas não estavam virando o rosto para o processo. Elas estavam é tapando o nariz para as opções disponíveis. E isso é, antes de tudo, uma manifestação política.

O lado ruim é a polarização. De uma hora pra outra, nos vimos divididos entre vermelhos ou “comunas” e azuis, ou “coxinhas”. De uma hora pra outra nos vimos no meio de hordas bárbaras ensurdecidas pelos seus próprios urros selvagens. De repente estamos no meio de uma guerra de torcidas que não estão dispostas a considerar que “diá-logos” é um conhecimento construído no encontro entre dois diferentes.

Vivemos em uma era de medos e inseguranças. Na Física, impera o “principio da incerteza”. O grande sociólogo polonês, Zygmunt Bauman, um dos olhares mais agudos de nosso tempo nos fala de uma “realidade líquida”. Tudo o que era sólido já se desmanchou há muito tempo em uma “ética” pós-moderna que faz Maquiavel parecer um escoteiro. Uma ética cujo lema maior é o mesmo que norteou o “marketing de guerra” nesta campanha: os fins justificam os meios. Não importando aqui, que tipo de sentimentos eles despertarão nas pessoas, contanto que conduzam ao fim tão desejado: a vitória nas urnas.

E sabemos, com outro sábio da sociologia, Erich Fromm, mestre de Bauman, que medos e incertezas costumam ser os fiéis companheiros de viagem dos fanatismos reducionistas mais furiosos, sejam na religião, ou mesmo na politica.

Outro gênio de nossa época, o psicólogo C.G. Jung nos alertou para aquela que ele considerava a maior missão de nossa civilização, e cujo sucesso ou fracasso, segundo ele, determinariam a própria sobrevivência desta mesma civilização: o reconhecimento da existência concreta do mal, e a aceitação por cada um de nós, da parte que nos cabe nesse latifúndio.

Traduzindo, o que Jung estava dizendo, é que enquanto continuarmos dividindo a humanidade entre “Nós e Eles”, e enquanto “Nós” formos os bons, os mocinhos, e “Eles” forem os bandidos do filme, continuaremos nos comportando como meninos mimados sem maturidade para reconhecer o mal em nós mesmos, e continuaremos enxergando o “diabo” nos “outros”. Quem são os outros? São aqueles que pensam de forma diferente de nós, e que obviamente, estão errados e devem ser calados e erradicados do mapa por causa disto.

Hitler, Stálin, e outros manipuladores de massas menos cotados eram craques em gerenciar esse tipo de maniqueísmo perverso.

Resumo da ópera: estamos vivendo um momento perigoso. A polarização traz consigo uma espécie de regressão psicológica. A possibilidade de projetar o mal todo em alguém e depois “malhar o Judas” evoca um lado sombrio e violento que vive a poucos metros da superfície da consciência de cada um de nós, homens e mulheres “civilizados”.

Paz na terra aos homens e mulheres de boa vontade para o diá-logos. E aos que consideram a democracia uma conquista inestimável e insubstituível da nossa jovem civilização brasileira.

i-nTé+V:-)C.MalTz.

Carlos Maltz é ex-integrante da banda Engenheiros do Hawaii, sendo o baterista fundador, atualmente atua como psicologo junguiano, astrólogo e escritor, sendo autor do livro Abilolado Mundo Novo.
Carlos Maltz é ex-integrante da banda Engenheiros do Hawaii, sendo o baterista fundador, atualmente atua como psicologo junguiano, astrólogo e escritor, sendo autor do livro Abilolado Mundo Novo.
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