O espetáculo deprimente – por Flávio Lauria

Flávio Lauria é Administrador de Empresas e Professor Universitário

Meus avós morreriam de indignação se vissem o presidente da República fazendo motociatas dias de semana em varias capitais do Brasil. Seria isso, no ponto de vista deles, um gesto de desprezo pela majestade do cargo, prova de infantilidade, leviandade e negligência. “Essa gente pensa – diriam – que está desfrutando de um veraneio em Brasília?” Ou “será que não têm coisas mais importantes a fazer, pensar ou planejar?” Nós, que já não comungamos daquela visão aristocrática do poder, até achamos admissível que os ministros e o presidente pratiquem algum esporte sadio nos feriados, para manter a forma física e a boa saúde. O que não podemos aceitar é a prática desastrada dessas motociatas, aquele desfile deprimente de “pata-duras” e ex-atletas, sem mínimas condições para uma exibição coletiva e pública.


A cada motociata presidencial segue-se uma baixa nos altos escalões da República, em prejuízo da eficiência e da celeridade das ações de governo. Causa desânimo ver um ministro da Fazenda de muletas porque rachou o tornozelo numa brusca batida de moto. Mas o que fazer? Já não é novidade que se vive numa sociedade do espetáculo. E o espetáculo tanto pode ser extasiante, sedutor e chamativo, como pode ser ridículo, melancólico e depressivo. Num dia os burlantins emocionam até às lágrimas o público da arquibancada; no outro provocam irritação e aborrecimento. É da vida e é do circo. Políticos, artistas, cientistas, escritores e profissionais de vários ramos se empenham em produzir efeitos cênicos, fazendo de suas vidas e de suas obras uma constante busca de fama e glória.

O fenômeno não é inteiramente novo, mas se aguçou na medida em que a concorrência se tornou mais frenética e a comunicação de massas sempre mais intensa e multiplicada. Com o aguçamento da concorrência, os silenciosos e os modestos correm o risco de ser atropelados, e os progressos da mídia fizeram da exibição pessoal através da eletrônica uma prática de rotina. O teatro, que outrora se continha nos palcos ou nos picadeiros, invade hoje nossas casas com a sem-cerimônia e a leveza de um clique, preenche o espaço de nossos lazeres e se torna guia e bíblia das grandes massas.

O que são as campanhas eleitorais senão torneios de “marketing”, em que as preferências do eleitor são disputadas como consumidores de refrigerantes ou de sutiãs? E não são até confessadas as “bravatas” utilizadas no discurso de palanque, como um recurso admissível da prática política?

O espetáculo penetrou até mesmo nas ações litúrgicas. A piedade e a contrição discretas foram desterradas. O que vai prevalecendo é a devoção gritada e cantada, como se os ouvidos da divindade estivessem entupidos. Parece que não importa muito o rezar; o que vale mesmo é aparecer rezando.

No empenho da autopromoção, os profissionais mais diversos não resistem à tentação das entrevistas ligeiras através do rádio ou da televisão, pela estrita conveniência de divulgar a própria imagem. Há escritores e artistas com verdadeira vocação de palhaços, que só não montam voltados para a cauda do cavalo, como os antigos “clowns” de subúrbio, pelo temor de irem ao solo estrepitosamente. E o que há de gente disputando honrarias, menções elogiosas da imprensa ou 10 segundos de aparição na telinha excede o que a nossa fantasia pode conceber. Até instituições respeitáveis cedem à tentação do “marketing”, substituindo pela propaganda a atividade-fim e a eficiência. Isso tudo poderia ser até hilariante, se o espetáculo não fosse atentatório à autenticidade da vida, dos sentimentos, da cultura e da República.

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