O golpe das elites: segundo ato – por Marcelo Seráfico

Marcelo Serafico é Doutor em Sociologia, professor de Ciências Sociais e de Pós-Graduação em Sociologia na (UFAM)

No último dia 07 de abril, o ex-Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, entregou-se à Polícia Federal para cumprir uma decisão judicial do juiz Sérgio Moro, o comandante em chefe da Operação Lava-Jato.


Mais nas redes sociais do que nas ruas, muitos comemoraram a prisão. Uns por que nela veem um passo decisivo no combate à corrupção. Outros, a maioria, por que veem em Lula a imagem de um país que lhes incomoda, desagrada, causa asco.

Não, essa imagem nada tem a ver com a corrupção, com as negociatas do poder, com a promiscuidade entre interesses privados e funções públicas, com o autoritarismo, com o vasto domínio do capital nas decisões estatais. Não, não é essa a imagem inconveniente à maioria dos que celebram a prisão de Lula.

Atenta-os, isto sim, reconhecer que alguém vindo do Povo tenha governado e possa vir a governar novamente o país. E mais, concordemos ou não com as políticas adotadas durante seus governos, Lula foi capaz de liderar, durante 08 anos, uma esdrúxula aliança com essas mesmas elites que permitia, ao mesmo tempo, ampliar a transferência de parte substantiva da riqueza nacional para o setor financeiro da economia e reduzir a pobreza de parte também substantiva dos que fazem o país.

Marcelo Serafico é Doutor em Sociologia, professor de Ciências Sociais e de Pós-Graduação em Sociologia na (UFAM)

Quando as elites se olham no espelho não veem, porém,  nem a fisionomia nem a história de vida dos muitos Silva paridos pela desigualdade nacional. Tampouco enxergam em seu reflexo as deformações que as fazem tratar como naturais problemas que decorrem de seus interesses tornados escolhas políticas. Não veem o país pobre, violento, corrupto e desigual como o produto da pilhagem que promovem desde a chegada de um certo Cabral.

Não, para as elites o problema nacional é seu Povo! E Lula tem a cara do Povo, a fala do Povo, a sensibilidade do Povo.

Elites bem estabelecidas criam os meios para que suas ideias sejam incorporadas e reproduzidas, inclusive, por quem não as compõe. Daí não ser estranha a atitude de amplos segmentos da classe média, cujo reacionarismo  histérico é a contracapa da ignorância enciclopédica. Daí não ser estranho, também, o engajamento cínico e panfletário das empresas de comunicação na demonização do ex-Presidente e do PT.

Importa reconhecer, portanto, que a prisão de Lula é o segundo ato do golpe iniciado em 2016, com a derrubada de Dilma Roussef da Presidência da República. Talvez, mais que tudo, a condenação e encarceramento de Lula provem os limites estreitíssimos da “conciliação pelo alto”, do “presidencialismo de coalizão”, da retórica da “governabilidade” para dar conta da dinâmica do poder estruturalmente controlado por elites virulentas, gananciosas, entreguistas e bárbaras. Uma imagem muitas vezes traçada em discursos de oportunidade do próprio Lula, em tempos de campanha eleitoral. Vencidas as eleições, porém, tratava-se de abrandar a crítica e governar com e para os objetos dela, de modo a buscar algum ganho para a “massa”, era esse o raciocínio.

Ocorre que a história do Brasil sempre mostrou que nenhum esforço de conciliação vindo “de baixo” comove as elites. Para elas, Lula é como o estranho que “invade” uma selfie. É um intruso, um invasor! E como intruso e invasor é tratado!

Não é casual que todas as tentativas do Povo de participar da formação política da nação tenham sido combatidas violentamente. Da Cabanagem á luta pela reforma agrária, de Canudos às reformas de base, o Povo sempre foi tratado pelas elites como intruso, invasor.

É de se esperar, portanto, mudanças profundas não apenas na retórica, mas, fundamentalmente, na prática política dos que agora voltam a enxergar a cara das elites sem ilusões conciliatórias. Disso depende a reinvenção dos movimentos da sociedade aos quais cumprirá o papel de produzir as mudanças necessárias à retomada da democracia e, com ela, à liquidação das desigualdades.

Marcelo Serafico é Doutor em Sociologia, professor do Curso de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM)

Artigo anteriorIGP pede liminar a Marco Aurélio que pode tirar Lula da prisão
Próximo artigoZFM e a indústria 4.0 – por Osíris Silva

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui