O impacto da “consciência de massa” no ataque ao Planalto – por Heide Castro

Heide Castro é psicóloga e atua há mais de 16 anos como consultora em desenvolvimento organizacional

Diante do atentado ao Planalto, com a presença de milhares de manifestantes e uma série de cenas extremistas, paramos para pensar nas motivações que levam multidões a cometer atos impensados que, individualmente e em outras circunstâncias, jamais fariam. Vimos inúmeras pessoas envolvidas em atos violentos e criminosos, que culminaram em prisões e ainda terão diversos desdobramentos que, para sempre, marcarão suas vidas. Esse é o impacto nas pessoas da chamada ‘psicologia das massas’, que leva a ações inconsequentes. A questão é: como exercer a inteligência emocional para não agir impulsivamente?


Vivemos cercados por grupos de WhatsApp, redes sociais e outras plataformas digitais e, como seres sociais, estamos sempre em busca de pertencimento e aceitação. Logicamente, nenhum ser humano é 100% bom, todos nós temos também um lado sombrio. A maldade e a bondade coabitam em cada um de nós e o que vai preponderar depende de como alimentamos cada um dos lados. É ilusório acreditarmos que o homem é só bondade, portanto, pode ser facilmente corrompido a partir de crenças e questões grupais, como mostra o livro “A Corrosão do Caráter”, de Richard Sennett. Crenças desse tipo podem ser transferidas para a família e ultrapassar gerações, tornando-se comuns.

Freud, criador da psicanálise e do texto ‘Psicologia das massas e análise do Eu’, de 1921, fez inúmeras articulações de conceitos da psicanálise no processo de formação das massas, sendo que uma das preocupações registrada em sua obra era a de não desprezar a ligação do indivíduo com o social, dada a importância que o meio cultural tem em influenciar a estrutura psíquica individual. Isso quer dizer que a psicologia do ser humano depende do contexto no qual ele se encontra, sendo que outro ambiente é capaz de mudar sua conduta. Sendo assim, toda a análise individual deveria ser acompanhada de uma análise social.

Ao se unirem em determinados grupos, independentemente de serem ou não parecidos em seu estilo de vida, os indivíduos se tornam massa e passam a agir e pensar de forma coletiva, como se fossem possuidores de alguma “consciência de massa”. Isso faz crer que os grupos têm personalidade própria, regida por vontades coletivas e não individuais. Dessa forma, o indivíduo se deixa levar por pulsões e emoções da massa e não pela razão, como se tivesse uma “alma coletiva” que o faz sentir, pensar e agir de forma diferente de como é isoladamente.

Se, nesse caso, as emoções são coletivas e não individuais, como ter controle sobre elas para não se deixar levar por atitudes extremistas que, isoladamente, talvez não fossem tomadas? Daniel Goleman, psicólogo e especialista em inteligência emocional, explica que “o segredo de nos tornarmos irracionais tem a ver com a falta momentânea e imediata de controle emocional, porque a amígdala assume o comando do cérebro”. Goleman criou o termo ‘sequestro da amígdala’ para explicar esse tipo de reação emocional incontrolável, onde “as emoções negativas intensas consomem toda a atenção do indivíduo, impedindo qualquer tentativa de atender a outra coisa”.

A amígdala é uma estrutura situada na parte interior do lóbulo temporal medial, que costuma ser facilmente reconhecida por ter a forma de uma amêndoa. Ela faz parte do conhecido cérebro emocional ou sistema límbico e controla as respostas fisiológicas diante de determinados estímulos, isto é, todas as suas estruturas são essenciais para o controle emocional da conduta do ser humano. A amígdala se destaca dentro do sistema límbico por ser crucial à sobrevivência, já que a sua principal função é integrar as emoções com os padrões de resposta correspondentes a elas, seja em nível fisiológico ou comportamental.

O sequestro da amígdala é uma reação emocional imediata e desproporcional em reação ao estímulo que a desencadeou, pois é compreendido como uma ameaça à estabilidade emocional – a amígdala rouba a ativação de outras áreas cerebrais, principalmente do córtex, dominando a conduta do sujeito e desligando a área que nos torna mais racionais, mais humanos. Então, o nosso pensamento lógico fica sujeito ao comando das nossas emoções.

Quando o sequestro da amígdala acontece, fica praticamente impossível controlar as emoções, uma vez que o indivíduo já foi cooptado. No entanto, o nosso corpo dá diversos alertas físicos de que as emoções estão sendo tomadas, como irritação, boca seca, mandíbula travada, batimentos cardíacos acelerados, sudorese, tremedeira nas mãos, entre outros. É nesse momento que o controle das emoções precisa ser retomado imediatamente.

Se ausentar para recobrar a razão é fundamental para, então, contar até 10, no mínimo, focando na respiração de forma consciente. Essa é uma estratégia que costuma funcionar. Quando a atenção está concentrada na respiração, cada vez que inspiramos nos colocamos no momento presente e nos mantemos calmos. A respiração ativa o sistema nervoso parassimpático e inibe o sistema nervoso simpático, que é ativado durante a experiência do sequestro da amígdala.

Em resumo, para poder sair do sequestro da amígdala quando um agente de estresse importante for ativado é preciso criar um espaço entre o que aconteceu e o momento presente. É muito recomendado fazer atividades que ativem a parte lógica do cérebro ou outras que foquem no presente e ensinem novos caminhos para vivenciar a emoção que estamos sentindo. Parece simples, mas não é nada fácil recobrar a razão quando há um intenso envolvimento em massa. No entanto, é preciso exercitar a inteligência emocional, ou seja, a capacidade de gerenciar seus sentimentos para expressá-los de forma apropriada e eficaz.

Como diz Howard Gardner, psicólogo e criador da teoria das inteligências múltiplas, “o controle das emoções é essencial para a inteligência de um indivíduo”. Se quisermos evitar comportamentos motivados por outras pessoas, em especial os que podem nos prejudicar, é essencial estar atento e exercitar o autoconhecimento. Só assim é possível reconhecer as próprias emoções e gerenciá-las de forma saudável.

Heide Castro é psicóloga e atua há mais de 16 anos como consultora em desenvolvimento organizacional em empresas de expressão internacional, como base em seus trabalhos de intervenção nas empresas a Investigação Apreciativa, onde já aplicou mais de 150 oficinas com a metodologia. É Especialista em Clima Organizacional, Liderança, Comunicação Apreciativa e Assertiva e Planejamento Estratégico, a partir da ferramenta SOAR, e coautora dos livros “Felicidade 360º”, “Ciência da Felicidade em destaque” e em Portugal, “Educação para a Felicidade e o Bem-estar”.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui