O Vale do Javari-AM está cada vez mais perigoso para os povos indígenas da região

No oeste do Amazonas, na região do Vale do Javari, os acontecimentos ao longo do ano de 2109 nos dá uma mostra da política indigenista do governo de Jair Bolsonaro para a região.


Só no ano que passou, um colaborador da frente de proteção do Vale do Javari foi assassinado, bases indígenas foram atacadas a tiros pelo menos seis vezes, aumentaram as invasões de garimpeiros e madeireiros e, agora, “nossos parentes estão sujeitos à interferência de missionários evangélicos”, resume o indígena Lucas Marubo.

Região perigosa

Lideranças indígenas do Amazonas e Roraima participantes da 40ª Assembleia Regional do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Regional Norte I (AM/RR) relataram que a realidade em suas aldeias está “cada vez mais perigosa, ameaçadora e conflitiva” e indagam se em razão das ações do Governo Federal estão retornando “os tempos sombrios vividos por seus pais e avós durante a ditadura militar”.

Na avaliação de Luís Ventura Fernandes, membro da Coordenação Regional do Cimi Norte I, no primeiro ano de atuação “efetivamente o governo Bolsonaro vinha com o intuito de destruir, desmontar e desconstruir tudo que era um marco de política indigenista que tinha sido construído nos últimos 30 anos de política indigenista”, acrescentando que o alvo das ações governamentais eram principalmente os territórios indígenas.

Entre os dias 14 e 16 de fevereiro o Cimi Norte I realizou sua 40ª Assembleia Regional com participação de missionárias e missionárias, leigos e religiosos, além de lideranças indígenas, representante do secretariado nacional da entidade, organizações da sociedade civil, pastorais sociais, superiores e superioras de congregações religiosas, representante da Rede Eclesial Pan-Amazônica – REPAM e bispos de Dioceses e Prelazias da área de abrangência do Regional.

Ao final da Assembleia o Cimi Norte I divulgou Pronunciamento Oficial da Assembleia elencando os principais fatos marcantes da política indigenista oficial e os desafios que terão no futuro próximo os povos indígenas e as entidades que os apoiam.

Na íntegra o Pronunciamento Oficial da entidade:
Terra, água e territórios: os povos indígenas têm o direito de viver

Posicionamento da 40ª Assembleia Regional do Conselho Indigenista Missionário – CIMI Regional Norte I

Cada vez mais perigosa, ameaçadora e conflitiva. Esta é a realidade nas aldeias relatada pelas lideranças indígenas dos estados do Amazonas e de Roraima por ocasião da 40ª Assembleia Regional do CIMI Norte I, em Manaus, entre os dias 14 a 16 de fevereiro. Indagam se retornam os tempos sombrios vividos por seus pais e avós durante a ditadura militar.

Presentes as equipes locais, assessorias e coordenação do CIMI Norte I; o secretariado nacional do CIMI; entidades da sociedade civil; pastorais sociais; superiores e superioras de congregações religiosas; a Rede Eclecial Pan-Amazônica – REPAM; bispos do Regional Norte I da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB e representantes dos povos indígenas, constatamos o desserviço prestado pelo governo federal aos povos indígenas, ao Brasil e ao futuro, que se concretiza com as violações dos direitos indígenas e com as agressões à Amazônia, que se manifesta com:

• A paralização das demarcações e retrocessos nos procedimentos administrativos de reconhecimento de Terras Indígenas;

• O recrudescimento do discurso anti-indígena, de ódio e preconceito;

• A negação da identidade e do direito à autodeterminação dos povos;

• O aumento das invasões dos territórios indígenas, para atividades ilegais de garimpo, exploração madeireira, pesca, caça e saque de outros recursos naturais;

• O desmatamento, a grilagem e o loteamento de Terras Indígenas;

• Os assassinatos, ataques e ameaças à vida de indígenas, agentes indigenistas e defensores e defensoras dos direitos humanos;

• O desrespeito à organização social dos povos indígenas e sua representatividade;

• O avanço de projetos, empreendimentos e atos administrativos e legislativos sem o respeito ao direito de consulta prévia, livre, informada e de boa-fé;

• A precarização das políticas públicas direcionadas aos povos e comunidades indígenas;

• A proibição do atendimento público a povos indígenas em terras não demarcadas;

• O desmonte técnico e orçamentário da FUNAI e seu aparelhamento a serviço de setores de interesses contrários aos povos indígenas;

• A indicação de pessoas desqualificadas e sem o devido processo de consulta para cargos de chefia de órgãos indigenistas oficiais;

• O enfraquecimento de conselhos e espaços de controle social;

• O avanço do proselitismo religioso fundamentalista agressor das culturas indígenas;

• A ameaça do extermínio dos povos indígenas em isolamento mediante a fragilização das Frentes de Proteção da FUNAI e a sinalização com a perspectiva do contato forçado, com a nomeação de um pastor fundamentalista para a coordenação da CGIIRC (Coordenação Geral de Índios Isolados de Recente contato);

Soma-se a isto o atual conjunto de ofensivas à vida e aos direitos dos povos indígenas elaboradas pelo governo federal, tais como o PL 191/2020, que é uma carta em branco para a exploração mineral e dos recursos hídricos nos territórios indígenas; e a utilização da tese do Marco Temporal para a devolução de 17 processos de demarcação de Terras Indígenas pelo Ministro da Justiça à FUNAI, com a clara intenção de prejudicar os povos e a efetivação de seus direitos territoriais.

O CIMI e os povos indígenas são antigos conhecidos das estratégias de ataque, criminalização e deslegitimação utilizadas pelos setores mais gananciosos e inescrupulosos da sociedade brasileira, que agora estão plenamente representados no poder executivo. Não nos deixaremos intimidar nesses tempos de brutalidade, hipocrisia e rudeza que, temos certeza, serão passageiros.

A realidade nas Aldeias está mais perigosa, ameaçadora e conflitiva, denunciam indígenas – foto: divulgação

Seguiremos firmes em nossa missão a serviço da vida e do futuro dos povos indígenas, confirmada nas palavras do Papa Francisco, na Exortação Apostólica Pós-Sinodal “Querida Amazônia”, lembradas pelos bispos do Regional Norte I da CNBB na nota “Solidariedade e Compromisso”:

“Às operações econômicas, nacionais ou internacionais, que danificam a Amazônia e não respeitam o direito dos povos nativos ao território e sua demarcação, à autodeterminação e ao consentimento prévio, há que rotulá-las com o nome devido: injustiça e crime. Quando algumas empresas sedentas de lucro fácil se apropriam dos territórios, chegando a privatizar a própria água potável, ou quando as autoridades deixam mão livre a madeireiros, a projetos minerários ou petrolíferos e outras atividades que devastam as florestas e contaminam o ambiente, transformando-se indevidamente as relações econômicas e tornam-se um instrumento que mata (…)” (QA, 14).

Frente a exclusão de todos e todas que não estão representados no seleto grupo de privilegiados insensíveis que estão no poder, empenhados em destruir a vida, a natureza e os direitos cidadãos fundamentais, convidamos a compartilhar da nossa visão de que lutar pelo bem dos indígenas é lutar pelo bem de todos e todas, deles, de nós e do mundo.

A causa indígena é de todos nós!

Centro de formação Xare, 40ª Assembleia Regional do CIMI Norte I

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