Perdas – por Flávio Lauria

Flávio Lauria é Administrador de Empresas e Professor Universitário

Caros leitores, é extremamente difícil viver sob ameaça de perdas. Perdas materiais, perdas de confiança, perdas de sinceridade e perdas de pessoas. Perdi vários amigos e amigas nessa pandemia.


Quantos de nós trocamos por remunerações, muitas vezes irrisórias, os nossos anos mais floridos e as horas mais coloridas dos nossos dias? As vicissitudes da própria condição humana levam os homens, de um modo geral, a se preocupar com as relações entre a felicidade e a virtude, a liberdade e a justiça, a fé e a consciência, o bem e o mal e, inserindo nesses conceitos as perdas do dia a dia.

Alguém já disse que não morremos de uma vez. Morremos ao poucos, a cada dia, com o enfrentamento das pequenas decepções, desenganos, dissabores, das perdas, mesmo que banais. Um amor incompreendido.

A morte de parentes, de grandes amigos ou mesmo um mero desconhecido da via pública, vítima da belicosidade do homem dos nossos tempos. Em confronto com isso tudo e, nos entregando à passividade do silêncio, chegamos à perda maior de todas elas. A derradeira.

A definitiva, como paradigma do absoluto: a nossa própria morte. Como dizia Kafka: “Não a morte gloriosa dos deuses, dos santos ou dos heróis, mas a morte cotidiana, banal, burocrática, médico-legal”. A que nos faz ficar fitando o vazio! A que não tem retorno e que, de resto, somente nos cabe o cultivo da esperança da ressurreição, muito embora sempre com o medo do incumprido.

Para quem me conhece mais amiúde sabe que além de ser um doador sou um admirador da organização humanitária internacional criada em 1971, na França, por jovens médicos e jornalistas, Médico sem Fronteiras, toda vez que escuto a musica Fix You com Coldplay, eu choro, choro por lembrar dos pequenos sendo pesados em pesos que talvez não deem 3 quilos, Para George Steiner; “Todas as dicotomias que determinam a condição humana, como a vida e a morte ou a luz e as trevas, podem ser compreendidas como representações específicas, embora difusas, da dualidade absolutamente estabelecida da presença e da ausência”.

Já Heidegger, que era agnóstico, fez com que a consciência da morte fosse determinante para a compreensão do significado da vida. Para ele, “apenas a consciência de nossa mortalidade torna a nossa existência preciosa. Se não morrêssemos, tudo perderia o sentido.Tudo o que fazemos hoje, poderíamos deixar para amanhã”.Finalmente com o apoio e fundamento na crença religiosa, de qualquer culto que seja, nas grandes perdas há de se fazer a ligação ainda mais íntima com o Ser Superior no aguardo da passagem para a espiritualidade plena. É nessa ocasião que nos entregamos à solidão pela iminência da presença de Deus.

Às vezes parece que economizamos nossos sentimentos, seja consciente ou inconscientemente. Somos levados pela maré do comodismo nos relacionamentos e arrastados pela onda do corre-corre da vida contemporânea. Ficamos inertes em palavras e gestos com aqueles que amamos, incluindo ai, infelizmente, nossos próprios pais. Por vezes, permanecemos à espera, quiçá, do dia dos pais para dar um presente, nem sempre agregado a um cartão que expresse nossos sentimentos e muito menos junto a um “Eu te amo”.

Com relação às mães a história não muda muito. Não que seja uma obrigação. Muito pelo contrário, a demonstração de nosso amor deve ser considerada, pura e simplesmente, um prazer. Eu achava com toda a sinceridade que durante e após essa pandemia e pelas inúmeras perdas que a cada dia sobem mais, o ser humano seria mais humano na expressão exata da palavra e seus sinônimos como compreensivo, bondoso, bom, benevolente, benévolo, humanitário, sensível, generoso, caridoso, piedoso, misericordioso, afável, compassivo, condolente, clemente, caritativo, indulgente. Ledo engano, mas a vida continua. Fico a refletir e pergunto-me. Onde estão as pessoas de bem? por que pessoas más se unem com tanta facilidade e nós que nos consideramos de bem não nos unimos também?

É o que temos assistido de braços cruzados e olhar assombrado, o império do crime, o domínio da marginalidade, a força da bandidagem; atenção ao criminoso, o direito estabelecido ao delinqüente, reconhecido e protegido, pela omissão do próprio Estado maior responsável por tudo de errado que assistimos por aí. Vivemos uma guerra. E o pior estamos em sociedade perdendo essa luta. O inimigo já não se encontra em nossas fronteiras já o vemos em nossas trincheiras.

Se considerarmos o estado tendo o governo como responsável maior, não nos esqueçamos que governo somos todos nós , sociedade organizada ou desorganizada como a nossa. Daí aquela expressão alemã: governo bom é aquele que governa pouco; quem deve governar é a sociedade judiciosa.

O japonês, outro povo a frente cinqüenta anos de nós vai mais além nas suas elucubrações: quanto menos governo nas coisas melhor ante sociedades capacitadas a dirigir-se e administrar-se.Lógico que governo aqui citado é o oficial, burocrático, delegado pelas “gentes” promotor e cumpridor das leis minimamente organizadas ante o poder maior, o plenário em que toda população tem cadeira cativa.’;’Com todo este poder, onde estamos nós cidadãos? ausentes do campo de batalha, omissos considerada a omissão o maior dos pecados; assim não chegaremos jamais na formação de uma sociedade organizada, saudável.

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