Por que os ataques com ácido estão aumentando no Reino Unido?

Resham Khan sofreu queimaduras no rosto, braços, pernas e ombros/ Foto: Divulgação

Jon Moody assistia à TV em casa quando escutou gritos que vinham da rua. Em um primeiro momento, pensou se tratar de meninos jogando futebol, mas decidiu correr à janela quando percebeu que os berros não cessavam.


“Vi um homem gritando de dor. Havia dois policiais com ele. Em seguida, pegaram dois grandes baldes de água e jogaram no rosto dele”, conta Moody à BBC.

O homem havia sido vítima de um ataque com ácido.

Mas esse não foi o único caso naquele dia. Em um intervalo de 90 minutos, um total de cinco pessoas sofreram a mesma agressão em três bairros diferentes de Londres.

E não se trata de incidentes isolados.

Resham Khan sofreu queimaduras no rosto, braços, pernas e ombros/ Foto: Divulgação

No mês passado, Resham Khan e Jameel Muhktar sofreram ferimentos graves depois que foram atacados dentro do carro com um líquido corrosivo.

Já em abril, 20 pessoas foram atacadas – duas ficaram cegas – por causa de um ataque com ácido em uma casa noturna no leste da capital britânica.

Crimes desse tipo mais do que duplicaram na Inglaterra desde 2012, de acordo com estatísticas da polícia. No biênio 2012-2013, foram registrados 183 ataques com ácido. Já entre 2016 e 2017, foram 503.

E a maioria deles ocorreu em Londres.

Rachel Kearton, chefe do departamento da polícia britânica responsável por ataques corrosivos, afirmou que agressões como essas registraram um aumento significativo em termos porcentuais nos últimos anos, mas que, em comparação com os crimes cometidos com facas, o número de incidentes ainda é “insignificante”.

Dor intensa

Imran Khan sofreu ferimentos no rosto/Foto: Divulgação

Imran Khan é proprietário de um restaurante. Em novembro do ano passado, ele foi atacado quando estava fazendo uma entrega em Barking, no leste de Londres.

Abordado por um grupo de jovens que queriam dinheiro e comida, ele foi alvo de vários insultos racistas. Quando voltava para o seu carro, acabou sendo atacado com um líquido corrosivo no rosto.

Ele se lembra da dor “que se apoderou de todo o seu corpo” e diz que ficou com medo de ficar completamente cego.
Khan só não teve ferimentos mais graves por causa da reação rápida de um comerciante do local, que lavou seu rosto com água.

Desde então, ele conta que permanece com uma constante sensação de insegurança quando está em lugares públicos, especialmente depois do anoitecer.

Estatísticas da polícia de Londres obtidas com exclusividade pela BBC indicam que os homens têm o dobro de chances do que as mulheres de serem vítimas de ataques com ácido.

A maioria desses crimes nunca é julgada.

Isobella Fraser estava em discoteca quando foi uma das 20 pessoas alvo de ataque com ácido

Primeira alternativa
Simon Harding, criminologista e especialista em gangues da Universidade de Middlesex, na Inglaterra, diz que o ácido está, cada vez mais, se tornando a primeira alternativa como “arma”.

Segundo ele, “lançar ácido é uma forma de demonstrar domínio, poder e controle, gerando um grande temor entre os integrantes das gangues rivais”.

Essas gangues conhecem as vantagens de usar o ácido para atacar alguém em vez de uma faca: as consequências são mais graves se você for flagrado com uma faca e as sentenças, maiores.

Harding explica que o uso da substância corrosiva pode gerar uma acusação por danos físicos intencionais, enquanto que, no caso da faca, é “muito provável que você seja acusado por tentativa de homicídio”.

“Não há, na lei britânica, um crime específico para quem lança ácido. Trata-se de um crime mais difícil de provar porque raramente existe vestígios do DNA do agressor e é muito mais fácil escondê-lo do que uma faca. Dentro de uma garrafa plástica, por exemplo”, diz.

O especialista considera que o governo deveria atacar o problema em três frentes.

Para Harding, é preciso restringir o acesso ao ácido, equiparar as punições àquelas relacionadas aos crimes cometidos com facas e usar a educação como ferramenta para acabar com o problema.

Dano emocional e físico
“É um crime horroroso, mutila e desfigura”, diz Rachel Kearton.

“O que mais me incomoda é de que se trata de um crime premeditado. Ninguém sai na rua carregando ácido se não planeja usá-lo. A intenção é deixar uma marca em alguém para o resto da vida. Trata-se de um dano emocional e físico”, avalia.

Questionada sobre possíveis medidas para enfrentar o problema, Kearton sugere penalizar o transporte de ácido em embalagens diferentes daquelas vendidas, regular a quantidade vendida e a idade exigida para a compra.

Jaf Shah, da ONG Acid Survivors Trust International, assegurou que não se trata de um fenômeno novo, pois ataques com ácido vêm sendo registrados na Inglaterra desde a era vitoriana.

Ele ressalva, contudo, que as cifras atuais espantam.

“O aumento recente de ataques torna o Reino Unido o país com o maior número de ataques com ácido registrados per capita do mundo”, lamenta.

Fonte: BBC

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