Prece da Súplica – por Flávio Lauria

Flávio Lauria é Administrador de Empresas e Professor Universitário

O mundo me dá medo, muito medo – tenho o corpo frágil e trago sentimentos que não se coadunam com um chão minado de frequentes ciladas. Ando decaído como se a quantidade de imagens que me chegam de todos os lados pesasse sobre os ombros, acabrunhando-os em declive. Não há desertos nem planícies, os vulcões explodem, a natureza revolta-se diante de invasões descabidas, o céu exibe nuvens cinzentas, lúgubres, angustiadas.


Os baobás, onde andam? As gameleiras? E as árvores que nos protegem do sol abrasador? A mata virgem, com o seu puro oxigênio, dela já não se podem aguardar maiores proteções. A intenção de devastar o que de melhor vinga no mundo vem de homens insensíveis, preocupados apenas com o egoísmo em alta. Estarei só nesse minúsculo corredor de reflexão? Para suportar a carga do cotidiano busco, quase alucinadamente, os campos de girassóis. Preciso apurar a vista e encontrá-los floridos, alheios à insânia e à mesquinhez dos impostores. Os pés doridos reclamam por repouso, a velha estrada se agiganta em obstáculos. Ah! Drummond, quantas pedras no caminho: os valores morais andam desaparecidos, fora de moda, anacrônicos, trai-se, difama-se, golpeia-se pelas costas… e mata-se. Dói-me profundamente assistir a atores se digladiando numa arena onde não se vê circo algum montado.

A sociedade rui sem que as pessoas se posicionem em favor de padrões humanos. O Brasil ocupa um lugar de destaque nessa decadência avantajada. O cinismo é a palavra do dia, o fanatismo também. Fala-se com o intuito de blefar, blefar, blefar… As cartas do jogo de pôquer estão entregues a jogadores habilidosos e maledicentes. Correrei atrás dos campos de girassóis, dessa beleza autônoma que independe da vontade dos homens ou dos seus mecanismos ilusionistas.

Afagarei as pétalas, cultivarei as sementes, quero embrenhar-me nas folhas com a finalidade de reabastecer o enorme vácuo que em mim habita. A caminhada é longa. E estou cansado. Luzes se apagam. Acendo velas para perceber o choro da cera, não me apraz alumiar o ambiente. As palavras perderam o valor da significação. Ouço o que não quero, pululam hipocrisias, os rostos se definem: massa uniforme, desfibrada, espectro de gente. A humanidade se escondeu? Envergonho-me das vozes que se levantam para desvirtuar a verdade em nome de uma saga indigna – os incautos se enredam em eufemismos astutamente construídos.

A letra reduziu-se a um instrumento banalizado, volátil em meio ao estrondo de uma tempestade sem fim. O mar revolto serve para iludir aqueles que não são capazes de compreender a dinâmica dos farsantes. E entre tantos desatinos, a soberba e o autoritarismo alcançam paroxismos. A vida é tão curta – dura o espaço de uma manhã, e como digo, é um sopro – que merece a melhor das reverências. Por que deixá-la sob o domínio dos ímprobos, esquecendo que a biografia dos homens ficará? Essa ficará. Há pouco o que fazer num palco de enunciados apócrifos. É hora de levantar os braços e pedir clemência. Talvez reste apenas a prece da súplica. Em silêncio absoluto, com a vela acesa, chorando pingos de parafina, flambando as poucas esperanças que sobram, peço paz para os homens de boa-vontade.

Não encontro os campos de girassóis. Que direção tomar?

Exaurida da procura, refugio-me no claustro, lendo, escutando música erudita, meditando sobre as razões que me tornam cada vez mais frágil, cada vez mais impaciente, cada vez mais vulnerável… Não pretendo mudar o jeito de ser, seria o mesmo que rejeitar-me na essência contemplativa. Atraem-me a solidão do quarto fechado e, sobretudo, a distância que desejo manter das truculentas exterioridades. Fortalece-me o ato de convivência comigo mesma, embora não seja fácil alimentar o elo existencial. Ando devagar, não tenho pressa, minhas mãos carregam gestos de amor. Acabo sempre em fuga, aceitando a condição de monja. E regalo-me com a escolha.

As pálpebras se fecham entre o escuro de fora e o escuro de dentro. O quarto não é pequeno, mas eu o reduzo ao tamanho que me agrada, tão minúscula me sinto que não careço de grandes espaços. O aconchego do lugar avigora-me, gosto de aninhar-me em livros e objetos que um dia comprei em esquinas desconhecidas, em outros lugares que não eram o meu-lugar. Agora, sim, tudo que me rodeia já se semelha aos meus quereres, as coisas ganham a alma que nelas depositei e nunca falharam no diálogo mudo, sabem preservar o lacre da antiguidade. Estou tão solta no mundo que o quarto representa o epicentro de mim mesma.

Juntei palavras sem nenhuma ordenação. Não sei como hierarquizá-las no caos vigente. Sei apenas que nesse momento estou só e não me livrei do medo do mundo.

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