Professores não querem mais dar aulas de Física, Química ou Matemática, no Brasil

As licenciaturas representam menos de 20% dos ingressos na educação superior em um cenário no qual o interesse dos jovens pelas carreiras docentes é cada vez menor - foto: ilustrativa/recuperada

Ninguém mais quer dar aula de Física, Química ou Matemática, áreas que atraem pouco mais de 65 mil candidatos a professor entre todos os cursos de formação. Nas humanas, há menos de 50 mil matriculados.


Resultado

Um quarto dos 2,5 milhões de professores não tem curso superior. Somam-se a essa baixa formação o sucateamento do ensino público, a defasagem salarial, jornadas extenuantes, humilhações em sala de aula, desencanto e adoecimento em um país que caminha para um apagão docente

O último dado disponível, elaborado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) no Censo da Educação Superior de 2019, é revelador: cursos universitários que formam professores para os ensinos fundamental e médio seguem com matrículas em queda. Química e Física, por exemplo, juntas, não chegam a 5% de todos os alunos das licenciaturas no país, o que representa pouco mais de 65 mil candidatos a professor.

Matérias humanísticas, como Sociologia, Música e Filosofia, têm menos estudantes ainda: no total, reúnem pouco mais de 50 mil abnegados alunos, que, depois de formados, enfrentarão baixos salários, jornadas extenuantes e, de quebra, humilhações em sala de aula.

Não é de se admirar, portanto, que a formação de professores no país tenha despencado nos últimos anos. E que continua em queda. No Brasil, as licenciaturas representam menos de 20% do total de ingressos em cursos superiores entre universidades públicas e privadas. E o panorama de desinteresse pelas carreiras docentes se mantém estável nos últimos 10 anos, segundo o Inep. Em 2009, os cursos de licenciatura representavam 20,8% das matrículas nas graduações; no último Censo da Educação Superior, em 2019, o índice baixou para 19,7%.

País precisa retomar investimentos contingenciados desde 2014, propõe Waltenberg, da UFF – foto: UFF/reprodução

Os números absolutos, fora da estatística fria, também preocupam: enquanto os bacharelados tiveram um incremento de quase 2 milhões de alunos na década 2009/2019, o interesse pela carreira de professor avançou em menos de 500 mil matrículas.

“Temos mais de 2,5 milhões de professores no país, dos quais 25% não têm nenhum curso superior. É um retrato revelador da falta de incentivo e interesse da sociedade por esses profissionais”, avalia o professor Luiz Fernandes Dourado.

Professor emérito da Universidade Federal de Goiás (UFG) e membro da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (Anped), Dourado é especialista no assunto. Em 2015, foi relator da comissão que instituiu as diretrizes da formação de professores dos ensinos fundamental e médio. Conforme ele, parte desse desinteresse pela carreira vem da formação docente instrumentalizada, que privilegia o conteúdo em detrimento da teoria.

“A formação atual tem um caráter mais restrito do docente, uma ênfase na prática dissociada da teoria. Não ajuda a tornar a carreira mais atraente, pelo contrário”, critica o educador. Em 2019, o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou, a toque de caixa, uma resolução que substitui o texto relatado por Dourado.

A norma atual vinculou as licenciaturas à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e, de acordo com o professor, promoveu um vínculo demasiado – uma “submissão”, ele define – ao currículo. Na visão de Dourado, essa submissão incentiva um modelo prescritivo, no qual os professores se limitam a transmitir fórmulas de conhecimento sem visão crítica.

A licenciatura nas diversas áreas, como Língua Portuguesa, História, Física e Química, é exigida para professores do ensino fundamental do 5º ao 9º ano e do ensino médio. Para a educação infantil e para os anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano), a formação indicada é a pedagogia.

Dourado, da UFG, critica a formação com ênfase na prática dissociada da teoria –
foto: reprodução

Dourado diz que várias sugestões de entidades vinculadas à educação foram ignoradas pelo CNE na elaboração da nova resolução. “Foram dezenas de propostas desconsideradas. O texto atual não categoriza, por exemplo, os padrões de qualidade do ensino a distância, permitindo a adoção quase irrestrita da modalidade nos programas de formação”, lamenta.

Ensino à Distância

O Censo da Educação Superior do Inep revelou que mais da metade dos alunos de licenciatura faz seus programas de formação a distância – na rede privada de universidades, esse percentual sobe a 73%. Trata-se de uma guinada em relação a 10 anos atrás, quando mais de 60% dos alunos cursavam de modo presencial.

Especialistas como Dourado têm apontado que há um fosso entre o ensino presencial e o ensino a distância, com impacto sobre a formação dos futuros professores no país. Esse fosso é agravado com a pandemia do coronavírus: muitos universitários sem acesso à internet ou a uma rede de dados desistiram de prosseguir seus estudos, abandonando os cursos pela metade.

Tomando o mesmo exemplo usado no início desta reportagem, Química e Física acumularam os maiores índices de desistência das licenciaturas no país, com média acima de 65%. A taxa de conclusão do curso na área da Física, por exemplo, é de apenas 23%. Ainda de acordo com o Inep, quase metade dos professores de Física no país tem licenciatura em outra área ou bacharelado com a devida complementação pedagógica.

Conforme Fábio Waltenberg, do Centro de Estudos sobre Desigualdade e Desenvolvimento da Universidade Federal Fluminense (UFF), no Rio de Janeiro, faltam investimentos na educação pública para tornar atraente a carreira de professor aos estudantes do ensino médio, que estão escolhendo uma profissão. Poucos alunos declaram que querem seguir a carreira docente.

“Se o Brasil deseja formar bons professores para, dessa forma, formar bons cidadãos, então será preciso retomar investimentos que começaram a ser contingenciados em 2014”, propõe o docente. Um estudo coordenado por Waltenberg mostrou que a educação brasileira perdeu R$ 16,8 bilhões entre 2014 e 2018. A educação básica foi a área que mais perdeu orçamento, chegando a 54% de toda a verba prevista.

Para Sérgio Franco, professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), é amplo o papel que a universidade pública desempenha na formação de professores. “Não basta só oferecer cursos de licenciaturas, é preciso também que a universidade saiba dialogar com as escolas e saiba entender quem ela precisa formar, como precisa formar, e para onde vai esse professor”, argumenta.

Franco, da Faced/Ufrgs, lembra o
papel amplo da universidade pública na formação de professores: não bastam licenciaturas – foto: reprodução

Também não basta, completa Franco, oferecer licenciatura em todas as áreas e formar poucos profissionais em algumas disciplinas estratégicas, como Matemática, Física e Química. Segundo ele, deve haver um equilíbrio na oferta de cursos – o que pode ser garantido com políticas públicas. O curso de Pedagogia, o qual forma docentes para educação infantil e primeiras séries do fundamental, concentra quase 50% das matrículas em licenciaturas do país.

O desinteresse por dar aulas não é um fenômeno só brasileiro, embora no país a situação seja mais grave. O relatório Políticas Eficientes para Professores, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), apontou que o percentual de adolescentes estudantes (até 15 anos) interessados na carreira docente caiu de 6% para 4,2% na última década.  No Brasil, que também fez parte do estudo, o interesse dos jovens teve uma queda de 7,5% para 2,4%.

Conforme o estudo, o desinteresse pela carreira se deve ao pouco reconhecimento social e aos baixos salários. Com as exceções de sempre, a área da educação tem rendimentos inferiores à média em vários países. Em média, segundo dados do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), professores no Brasil ganham metade do que profissionais com formação superior equivalente em outros países.

E são mais vítimas de violência que em outras regiões: 12,5% já relataram agressões verbais ou intimidações por parte dos alunos. É o índice mais alto entre 34 países pesquisados, cujo índice médio ficou em 3,4%.

Em São Paulo, metade dos docentes relatou agressão verbal em um levantamento realizado pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado (Apeoesp). Agressões físicas foram registradas por 5% dos profissionais.

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