
O projeto prevê restaurar 200 hectares — sendo 80 por meio de Sistemas Agroflorestais e 120 com enriquecimento de capoeiras
O Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa, o Planaveg, prevê restaurar 12 milhões de hectares até 2030. A meta ambiciosa tenta reverter décadas de degradação em diversos biomas do país, em especial na Amazônia. Para isso, o Governo Federal tem contado com o apoio de iniciativas locais como o Projeto de Restauração Ecológica Produtiva, executado pelo Idesam com apoio do edital Floresta Viva, gerido pelo FUNBIO e com apoio financeiro do BNDES e Eneva.
O projeto avança na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Uatumã no Amazonas, uma das localidades de implantação da iniciativa, uma área de 424 mil hectares onde comunidades ribeirinhas há décadas tentam equilibrar a subsistência com a conservação. Implantar um hectare de floresta nessa região, no entanto, não é simples. A viagem parte de Manaus, passa pela cidade de Itapiranga, a 330 quilômetros por estrada — muitas vezes em más condições — e prossegue por mais algumas horas em embarcação até as comunidades espalhadas ao longo do rio Uatumã. É por essas rotas que chegam, por exemplo, as 13,5 mil mudas usadas nos plantios deste ano.
São cultivadas por viveiristas como Orimar Sicsú, morador da reserva há mais de 20 anos. ‘’A gente fazia muda só para o roçado. Mas com o projeto do Carbono Neutro e agora esse do Floresta Viva, a produção virou outra coisa. Cheguei a produzir 10 mil mudas. Hoje, é por contrato, depende do projeto”, conta. Espécies como cumaru, pau-rosa, açaí da mata, pupunha, castanha, breu e biribá são plantadas por sua importância ecológica, mas também pelo potencial de gerar renda no futuro.

‘’Hoje, a gente intensificando essa parceria, ela ajuda a contribuir com a floresta, com aquilo que já foi perdido. Então nós estamos resgatando várias plantas que já foram daqui tiradas, como a itaúba, a preciosa, o louro, a maracatiara, o ipê, o cumaru. Então, isso aí é um potencial que a gente está tentando de novo engajar, pois tem a área que o pessoal não vê mais essas espécies’’, ressalta Sicsú.
Com toda essa diversificação como base do plantio, o projeto prevê restaurar 200 hectares — sendo 80 por meio de Sistemas Agroflorestais (SAFs) e 120 com enriquecimento de capoeiras. “A ideia é mudar a lógica do roçado com queima. Hoje, as famílias abrem uma área, usam por dois ou três anos e abandonam. Com o SAF, você integra árvores produtivas, e mesmo depois que a roça se esgota, a terra continua produzindo”, explica Vinícius Bertin, gestor do projeto no Idesam.
‘’A gente trabalha com uma diversidade de até 20 espécies por sistema agroflorestal e são espécies como o açaí e o cacau e espécies madeireiras de ciclo mais longo, como o pau rosa, e a copaíba. A diversidade ajuda na resiliência do sistema, porque você fica menos dependente de um só produto. Então, vamos dizer que em um ano a andiroba não produza tão bem, você tem um outro produto que pode tirar dessa área. Eu acho que a diversidade, além disso, se assemelha mais às áreas naturais. Quanto mais diversa, mais próximo da realidade local aqui, da diversidade ambiental das áreas nativas aqui da região’’, complementa Bertin.

Superando os desafios
Mas fazer isso não é uma missão nada simples, tendo a logística da realidade amazônica como principal desafio nesse processo. “É uma logística difícil. Passamos dias praticamente carregando mudas pelas comunidades, distribuindo, e depois vem a fase de implantação dos sistemas agroflorestais’’, resume Bertin, que acompanha de perto o barco responsável por transportar as mudas pelas longas distâncias do Rio Uatumã, junto com a equipe de ajudantes moradores da própria Reserva.
Dentro do projeto de Restauração Ecológica Produtiva, a estratégia dos SAFs tem sido aplicada com cerca de 70 famílias, incluindo ainda capacitação e apoio técnico. Jaqueline Gomes é uma dessas agricultoras. Moradora da comunidade Maracarana, ela decidiu participar do projeto após ver sua terra ameaçada pelo fogo. Foi na luta pela sobrevivência do seu entorno, enquanto via a floresta consumir em chamas, que ela percebeu que precisava fazer algo para mudar isso e que iria engajar na produção de seu sistema agroflorestal.
Depois de caminhar 16 quilômetros por dias seguidos com mangueiras nas costas, decidiu que precisava ir além do combate ao fogo: queria plantar. A decisão não veio sem resistência — até mesmo dentro de casa. “Meu ex-marido dizia: ‘Você é mulher, vai fazer isso pra quê?’. E eu disse: vou fazer, com ou sem você”, recorda.
‘’E o interesse nasceu por isso, pelo fato da gente ver o que é algo nosso, que a gente poderia evitar acontecer, mas que muita gente não está nem aí. É como meu pai costumava dizer: ‘Só quando o último peixe for morto, a última árvore for derrubada e o último rio for poluído, é que o homem perceberá que não pode comer dinheiro. Porque a gente valoriza muito outras coisas e esquece o principal’’, reflete Jaqueline.

Para o trabalho funcionar no campo, no entanto, a abordagem precisa se ajustar à realidade local. ”O projeto está totalmente alinhado com as expectativas da iniciativa Floresta Viva. São 200 hectares sendo restaurados em diferentes Unidades de Conservação do Amazonas, levando em consideração o fortalecimento das cadeias produtivas baseadas na biodiversidade, a promoção de capacitação profissional e a consolidação de estruturas e estratégias para restauração com foco na participação da comunidade local. A expectativa é que o projeto seja referência para outros projetos de restauração na Amazônia”, afirma Rodolfo Costa Marçal, gerente de projetos do Floresta Viva e porta-voz da iniciativa pelo FUNBIO.
Apesar das distâncias, do desafio logístico e das limitações de infraestrutura, o projeto tem ganhado adesão crescente nas comunidades da RDS do Uatumã. Para Adilson Guerreiro, liderança comunitária em Maracarana, isso acontece porque os resultados já começaram a aparecer.
“Desde que o projeto iniciou, a comunidade deu total apoio. Alguns moradores já estão colhendo os frutos dos plantios anteriores. Eu mesmo não entrei no início, mas me inscrevi no ano passado. Vi que é engrandecedor para nós. A gente vive da agricultura familiar e com o projeto, a gente refloresta essas áreas e isso é muito importante. Quando se fala de reflorestamento, você sabe que está somando com quem investe e ajudando a floresta a se manter viva”, afirma Gomes.
SOBRE: O projeto Restauração Ecológica Produtiva é financiado pelo Edital Amazonas – Floresta Viva. O Floresta Viva é uma iniciativa do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES destinada a apoiar projetos de restauração ecológica nos biomas brasileiros. O edital Amazonas tem o apoio do BNDES e da ENEVA e tem o FUNBIO como parceiro gestor.