Uma conjunção histórica de fatores tem feito com que muitos brasileiros achem mais verde a grama do vizinho. Em um fenômeno sem precedentes na história do país, este início de século registra o maior movimento de migração de cidadãos brasileiros rumo a outros países pelo mundo.
E o fenômeno tende a prosseguir. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha em 2018 indicou que, se pudessem, 70 milhões de brasileiros maiores de 16 anos se mudariam para o exterior. No recorte por qualificação, essa era uma vontade de 56% dos adultos com curso superior.
Segundo um levantamento do Ministério das Relações Exteriores, o número de brasileiros vivendo no exterior saltou de 1.898.762 em 2012 para 4.215.800 hoje — os últimos dados foram consolidados a partir de informações coletadas pelos consulados em 2020. No período, portanto, o aumento foi de 122%. E, pela quantidade atual de expatriados, pode-se dizer que cerca de 2% dos brasileiros moram hoje em um país estrangeiro.
“Esse movimento de saída de brasileiros nos últimos anos é inédito e, de fato, representa a maior diáspora da história brasileira”, analisa Pedro Brites, professor na Fundação Getúlio Vargas.
Se o Brasil foi construído, desde a colonização portuguesa, por levas e levas de imigrantes — de várias partes do mundo, em ondas sucessivas — o atual momento indica uma virada de maré, como se o país que sempre recebeu agora tivesse se tornado um “exportador de gente”.
“O Brasil passou a ser um lugar de onde as pessoas saem. Isso significa que a sociedade de afluência que aqui se formou está extinta”, comenta o sociólogo Rogério Baptistini Mendes, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie.
“Agora o horizonte é sombrio, com a experiência do desemprego estrutural contemporâneo, associado aos males herdados: a desigualdade e a exclusão do passado”, completa o sociólogo.
Vontade de sair
De acordo com levantamento publicado este ano pelo Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, 47% dos brasileiros entre 15 e 29 anos gostaria de deixar o país, se possível. É um recorde histórico. Entre 2005 e 2010, este era o desejo de 26,7% dos jovens; de 2011 a 2014, anseio de 20,1%.
“Em geral, todos movimentos migratórios são ocasionados por motivações religiosas, perseguições políticas, guerras ou questões econômicas. As crises econômicas pelas quais o Brasil tem passado nos últimos anos fez com que muitos decidissem emigrar buscando melhores condições de trabalho, quer sejam profissionais altamente qualificados, ou de baixa qualificação”, contextualiza a historiadora Renata Geraissati Castro de Almeida, pesquisadora de imigração na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e na Universidade de Nova York, nos Estados Unidos.
“No cenário atual, de aumento da inflação, afetando o preço do que consumimos no dia a dia, a alta do dólar, e com a ausência de perspectivas de melhorias, a situação tende a piorar”, acrescenta.
Brites enumera como sendo três as razões que motivam essa diáspora de brasileiros. Em primeiro lugar, “o mais relevante deles”, segundo o professor: a economia. “Ao longo dos últimos anos, o Brasil tem perdido postos de emprego em pontos-chave, com enfraquecimento de setores como a engenharia civil, baixo investimento em tecnologia, pesquisa e desenvolvimento. Essa mão de obra qualificada tem procurado oportunidades fora”, exemplifica.
“O Brasil atravessa um período de baixo crescimento econômico, estagnação relativa da economia. Isso efetivamente tira perspectivas de oportunidades de boa parte da população, que passa a procurar mecanismos para seguir sua vida”, afirma.