Rendição a amargura – por Flávio Lauria

Flávio Lauria é Administrador de Empresas e Professor Universitário

Ultimamente, ao fim de minhas escutas dos noticiários e de minhas leituras matutinas dos jornais, tenho a impressão de haver saído enlameado. Macambúzio. Envergonhado. Com ímpetos de mudar não apenas de país, mas também de planeta. Ou simplesmente de me recolher a um sítio isolado, silencioso e sem outro meio de comunicação e convivência que não sejam alguns livros já lidos e dos quais guardo as mais gratas lembranças. Dito isso, penso haver deixado bem claro que nesta manhã, no momento em que começo a dedilhar o computador, não estou num bom estado de espírito. Este reconhecimento recomenda ao leitor que se acautele quanto a este texto.


Tristeza, mau humor, desencanto e assemelhados são males contagiosos. Dado o aviso, tento ir em frente, apontando algumas notícias que me acabrunharam ainda ontem. Desde logo, esta que foi manchete de primeira página em quase todos os grandes jornais e noticiosos de rádio e TV: “O Brasil é o 69º em qualidade de vida”. A ela se junta um outro informe contristador: “50 milhões de brasileiros têm renda abaixo de R$ 80 mensais”.

No corpo da matéria aparecem números dando conta da distribuição da renda nacional, de quantos, tão poucos, ganham infinitamente mais do que a maioria esmagadora de nossa gente. Os contrastes são brutais. E a eles são acrescentados informes sobre a criminalidade crescente em todo o país. Disso resulta que, diante do quadro de pobreza e de violência desnudado, à tristeza que nos invade soma-se o medo que tal realidade nos inocula.

Mas a desoladora imagem que essas informações do país põem diante de nossos olhos somam-se outras que nos pungem igualmente. Elas não emergem apenas das páginas policiais, mas também – e quase se equivalem – das do noticiário político. Ou melhor, das notícias sobre estarrecedores assaltos aos dinheiros públicos, melhor dizendo, aos dinheiros de tantos milhões de carentes de educação, de saúde, de teto, de previdência social, de segurança, de trabalho, de alimentação…

Sobre a pandemia, nem quero falar, visto que todo dia, morrem milhares de brasileiros, pela inoperância do Governo Federal, e a morosidade em pedir vacina. Caros leitores e leitoras, querendo ou não, lá vem um dia em que a gente mesmo não figurando na lista dos milhões de excluídos, dos que têm sobradas razões de se sentirem de mal com a vida, se deixa tomar de assalto por este tipo de reflexões, pela tristeza e revolta que elas nos ensejam.

Ocorrem, então, para quem, como eu, dispõe de uma válvula para um desabafo, essas manifestações de acabrunhamento e indignação. E de insegurança e pânico – sejamos francos. Tenho certeza que passado o período dessa pandemia, o que não acredito muito que passe, o circo será desmontado, está na hora de pagar as contas; novas tarifas, elevação dos impostos, propinas, superfaturamento, dispara o dólar, sobe o gás, falta energia. É hora de o pobre coitado voltar à realidade: à vida de trabalho e mais trabalho ou sem trabalho, mas sempre com a certeza de muita dificuldade! A vida do povo volta a sua rotina… até o próximo pão e circo romano que está próximo com as eleições de outubro do ano que vem.

Esses dias são meus dias de rendição a amargura e a rebeldia, uma farsa com tonalidades cômicas se não fossem trágicas pelo desvio do dinheiro dos impostos, extorquidos da população pela infernal máquina arrecadadora do estado para convalescer grotesca mistificação. Desde quando as resistências opostas à implantação do sistema distrital no Brasil superaram a batalha contra a moralidade, pelo qual se teria armado dispositivo capaz de combater com eficiência a corrupção eleitoral, quantos a cada nova eleição conquistam o mandato pelo uso imoderado da pecúnia, espalhando pelo Brasil o vírus dessa doença maldita que contamina impérios e as sociedades. Os leitores que me perdoem por este desafogo.

 

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