Mais de 39 milhões de mortes por infecções resistentes a antibióticos são estimadas até 2050, segundo análise global publicada na segunda-feira (16) na renomada revista científica The Lancet. O estudo do Projeto Global Research on Antimicrobial Resistance (GRAM) é o primeiro a se aprofundar sobre os impactos globais da resistência antimicrobiana na saúde.
A análise mostra que mais de um milhão de pessoas morreram devido à resistência a antibióticos em todo o mundo entre 1990 e 2021. No período, as mortes relacionadas à condição entre crianças menores de cinco anos diminuíram em 50%, enquanto aquelas entre pessoas com 70 anos ou mais aumentaram em mais de 80%.
O estudo também faz uma previsão futura, indicando que as mortes diretamente causadas por resistência antimicrobiana aumentarão de forma constante nas próximas décadas, crescendo em quase 70% até 2050 em comparação a 2022, impactando principalmente os idosos. Além disso, no mesmo período, as mortes nas quais as bactérias resistentes a antibióticos desempenham um papel (ou seja, as mortes indiretas) poderão aumentar em quase 75%, de 4,71 milhões para 8,22 milhões por ano.
As descobertas destacam a necessidade de intervenções que incorporem prevenção de infecções, vacinação, minimização do uso inapropriado de antibióticos e pesquisa de novos antibióticos para mitigar o número de mortes causadas pela resistência antimicrobiana previsto para 2050.
“Os medicamentos antimicrobianos são um dos pilares da assistência médica moderna, e o aumento da resistência a eles é uma grande causa de preocupação. Essas descobertas destacam que a RAM tem sido uma ameaça global significativa à saúde por décadas e que essa ameaça está crescendo. Entender como as tendências nas mortes por RAM [resistência antimicrobiana] mudaram ao longo do tempo e como elas provavelmente mudarão no futuro é vital para tomar decisões informadas para salvar vidas”, afirma o autor do estudo, Mohsen Naghavi, líder da equipe de pesquisa de RAM no Institute of Health Metrics (IHME), Universidade de Washington, nos Estados Unidos, em comunicado à imprensa.
O estudo produziu estimativas para 22 patógenos, 84 combinações patógeno-medicamento e 11 síndromes infecciosas, incluindo meningite, infecções da corrente sanguínea e outras infecções. As estimativas foram baseadas em 520 milhões de registros individuais de uma ampla gama de fontes, incluindo dados hospitalares, registros de óbitos e dados de uso de antibióticos.
Uma modelagem estatística foi usada para produzir estimativas de mortes diretamente por resistência a antibióticos e aquelas nas quais a condição desempenhou um papel. Com base nas tendências históricas calculadas, os autores estimaram os impactos globais e regionais prováveis da RAM na saúde de 2022 a 2050.
Também foram produzidas estimativas para cenários nos quais a qualidade da assistência médica e o acesso a antibióticos melhoram no futuro e o desenvolvimento de medicamentos tem como alvo bactérias gram-negativas.
O que é resistência antimicrobiana?
A resistência antimicrobiana acontece quando bactérias, vírus, fungos e parasitas deixam de responder aos medicamentos, tornando as pessoas mais doentes e aumentando o risco de propagação de doenças e de morte.
No caso das bactérias, esse fenômeno é conhecido como resistência a antibióticos e os microrganismos que apresentam essa resistência são chamados de “superbactérias“.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a resistência é motivada, na maioria, pelo uso indevido e excessivo de antibióticos por parte dos pacientes.
Até o momento, nenhum estudo tinha avaliado as tendências históricas da resistência antimicrobiana, nem havia feito previsões detalhadas dos impactos globais futuros. Em 2022, um primeiro estudo revelou que as mortes globais relacionadas a bactérias resistentes a antibióticos em 2019 foram maiores do que os óbitos por HIV/Aids ou malária, levando diretamente a 1,2 milhão de mortes e contribuindo para outros 4,95 milhões de óbitos.
Tendências globais
As descobertas revelam que mais de um milhão de vidas foram perdidas por ano entre 1990 e 2021 como resultado direto da resistência antimicrobiana. Em 1990, houve 1,06 milhão de mortes diretamente devido à resistência a antibióticos de um total mais amplo de 4,78 milhões de mortes associadas. Em 2021, a RAM levou diretamente a 1,14 milhão de mortes e foi associada a um total mais amplo de 4,71 milhões de mortes.
Em 2021, houve uma redução nas mortes por RAM em comparação a 2019 (1,27 milhão de mortes diretas por RAM; 4,95 milhões de mortes associadas), devido a reduções na carga de infecções respiratórias não relacionadas à Covid-19. Isso, provavelmente, está relacionado às ações de distanciamento social e outras medidas de proteção adotadas durante a pandemia. A análise da equipe sugere que esse declínio nas mortes por RAM foi apenas temporário.
Ao longo das três décadas, as tendências nas mortes por resistência antimicrobiana passaram por mudanças significativas relacionadas à idade. As mortes entre crianças menores de cinco anos diminuíram em mais de 50% — redução de 59,8% nas mortes diretas por RAM, de 488.000 para 193.000 mortes; redução de 62,9% nas mortes ligadas à RAM, de 2,29 milhões para 840.000 mortes. Isso pode estar relacionado a melhorias na entrega de medidas de prevenção e controle de infecções, como vacinação, entre bebês e crianças pequenas.
No mesmo período, as mortes por RAM entre adultos com 70 anos ou mais aumentaram em mais de 80% — aumento de 89,7% nas mortes diretas por RAM, 519.000 em 2021; aumento de 81,4% nas mortes relacionadas à RAM, 2,16 milhões em 2021. Segundo os pesquisadores, isso pode estar relacionado ao rápido envelhecimento da população e à maior vulnerabilidade dos idosos à infecção.
As regiões onde houve maior aumento nas mortes diretamente causadas pela resistência antimicrobiana, segundo o estudo, foram a África Subsaariana Ocidental, América Latina Tropical, América do Norte de alta renda, Sudeste Asiático e sul da Ásia. De acordo com a análise, as mortes anuais aumentaram em mais de 10 mil entre 1990 e 2021 nesses locais.
Entre os patógenos com maior importância crítica, ou seja, que representam um maior risco de morte, no estudo estão seis dos sete patógenos classificados pela OMS como os mais difíceis de tratar. É o caso da S. aureus resistente a meticilina, cujas mortes aumentaram globalmente de 57.200, em 1990, para 130 mil, em 2021.
Entre as bactérias gram-negativas — algumas das mais resistentes a medicamentos antimicrobianos — a resistência aos carbapenêmicos aumentou mais do que qualquer outro tipo de antibiótico, passando de 127 mil, em 1990 para 216 mil, em 2021.
Fonte: CNN Brasil