
Conta-se que famoso apresentador de programas radiofônicos da antiga Rádio Nacional dirigiu-se desta forma à cantora Amália Rodrigues, então se despedindo de uma temporada no Rio: Foi um privilégio tê-la tido aqui… . A cacofonia, às vezes, provoca situações profundamente constrangedoras para seus autores e, a guisa de marca registrada, até entra em suas biografias. Neste aspecto, todos nós estamos sujeitos a um belo tropeção.
Não menos desastrosa é a impropriedade de certos torneios frásicos, capazes de fazer corar até frade de granito. Observe-se este trecho pinçado de uma reportagem sobre nosso Rio Negro: Alimentando-se basicamente de animais roedores e peixes, o biólogo garantiu que o jacaré… O infeliz deslocamento de termos deixou o cientista com as calças na mão ao expor sua atração gustativa por roedores, entre os quais estão os parentes mais próximos do Mickey. Em se tratando de confusão estilística, não fica muito atrás o vexame protagonizado por um nobre vereador de Manaus.
Segundo foi noticiado ã época, o edil tomado de forte entusiasmo pelo discurso que certo homenageado acabara de proferir na Câmara, avança para o microfone e sugere ao presidente da sessão: Peço a V.Exa., mande introduzir no anal de nosso Legislativo uma cópia desse magnífico discurso.
O tropeção do vereador este sim deve ter chegado bem mais depressa aos ditos anais (registros) da Câmara Municipal. Enquanto isso, muita gente continua subscrevendo envelopes de convites (casamento, formatura e quejandos), em lugar de sobrescrevê-los, isto é, apor-lhes o nome do destinatário e endereço. Outros não distinguem, na linguagem escrita, os termos à-toa e à toa.
O primeiro, hifenizado, sempre atribui uma qualidade a um ser: um indivíduo à-toa (imprestável); umas tarefas à-toa (pouco trabalhosas). O segundo, sem hífen, transmite ideia de circunstância: as crianças riem à toa. A televisão e o rádio têm deixado a mostra o sofrível entendimento que as pessoas, algumas até com canudo emoldurado na parede, têm a respeito do rico vocabulário da língua. Foi o caso que um político destas bandas manauara considerou inóculo o projeto do então senador ACM, repentinamente tomado de inócuo fervor franciscano. Embaralhar termos, à maneira de cartas de jogo na mesa, não é exclusividade de gente despreparada. Certa vez, ouvi de uma boca ilustre: Vou renunciar por motivos de fórum íntimo.
Por coincidência, tratava-se de um talentoso advogado. Por descuido ou despreparo, outros empregam portenho para qualificar pessoas e coisas da Argentina: cantor portenho, música portenha. Na verdade, o termo é privativo do natural de Buenos Aires, embora haja o adjetivo oficial buenairense. Lamentando a morte do ilustre cidadão amazonense, certo colunista tropeçou: Vai ser muito difícil substituir sua ausência querida. Ora, substituir uma ausência não é sopa, logo se vê, a menos que o sujeito esteja mancomunado com alguma entidade sobrenatural. Já um conhecido repórter tachou de estérica certa atriz do teatro brasileiro. Até hoje estou por saber se a moça é estéril ou mesmo histérica. Ou (o que seria um desastre biológico) as duas coisas ao mesmo tempo.