A reza que minha mãe ensinou – Por Valdir Fachini

Articulista Valdir Fachini (SP)

A senhorita me dá o prazer dessa dança?…Assim era eu, cavalheiro e gentil, com minha calça de linho branco, camisa florida parecendo um turista americano, não existia donzela,sirigaita, mal-amada, viúva ou desquitada que me dissesse não, eu era o rei da festa, dançava tudo e com todas a noite inteira, até a lua dar até logo e o sol dizer bom dia, não importa se a música fosse arrasta -pé ou mela cueca, eu tava lá, firme e forte.


Maínha já tinha  até calo no joelho de tanto rezar pra que nada de ruim me acontecesse.

Ela me ensinou uma reza, pra que eu fizesse na hora do perigo, ela disse que com a vida que eu levava, hora ou outra eu iria precisar, Mas eu, igual a um burro chucro insistia que perigo era coisa de medroso, de cara cagão, que eu era cabra macho, não tinha medo de nada, nem de lobisomem, chupa cabra, mula sem cabeça, isso tudo era invencionice e toda mulher que sobrasse na minha frente eu pegava, nem que fosse a mulher do capeta.

Articulista Valdir Fachini (SP)

Terceiro sábado de junho, noite fria de doer, tinha bailão na fazenda Santa Amélia, botei minha calça branca (eu tinha duas) camisa de flor (eu tinha um monte) bota de couro de sucuri, chapéu igual ao do Almir Satter, arreei meu cavalo(o arreio mais bonito da redondeza era o meu),e fui.

Quando cheguei o sanfoneiro tava tocando e cantando……moreninha linda do meu bem querer,é triste a saudade longe de você……Tonico e Tinoco ….amarrei minha condução e já fui entrando e procurando a moça mais bonita.

Lá no canto do salão estava ela, foi a primeira vez que vi aquela morena, toda de preto, cabelos escuros e longos, fiquei enfeitiçado. A senhorita me da o prazer dessa dança?

Ela disse , sim, mas não sou senhorita.

Quando começamos a dançar, parecia que eu estava nas nuvens, o som da sanfona se tornou uma harpa divina, foi uma dança, duas danças, três, quatro,dez, quando deu meia noite, ela disse,….tenho que ir embora……e foi.Corri la fora pra ver se achava seu sapatinho de cristal, mas não era sonho nem fantasia, foi tudo real.Pra mim, a festa acabou, fui embora também.
No meio do caminho, bem debaixo de uma figueira (toda história antiga tem uma figueira) ele apareceu,…o Chifrudo ..capa preta, chapéu preto, cavalo preto, olho vermelho igual rubi, com sua voz fantasmagórica me falou,….então ? gostou de dançar com a minha mulher?

Nessa hora me lembrei de Deus e comecei a rezar…Pai nosso que estás no céu…..o Cão me interrompeu…essa eu já conheço, tenta outra……tentei…..Ave Maria cheia de graça…..e o Demo de novo…….essa não tem graça nenhuma, já sei de cor e salteado,manda ver outra……mandei….Salve Rainha, mãe de misericórdia……o Beiçudo me fez parar outra vez……essa ai acho que eu já sei também, sabe mais alguma?….sei…..e comecei a reza que minha mãe me ensinou .

A Besta ficou me olhando pasmo e depois me falou ,…..você venceu ,essa eu não conheço, vai te embora e que meu rival te acompanhe.

Meu cavalo nunca correu tanto como naquela noite,Ele correndo bufando e peidando e eu tingindo minha calça branca com o resto de bosta que eu ainda tinha nas tripas.Maínha me olhou assustada, que é isso minino?tá com disinteria?se cagou todo!

Caguei sim, minha mãe e queria ver se a senhora não se cagava se ficasse frente a frente, cara a cara com o Coisa ruim.

A partir desse dia , me tornei um cara medroso, caseiro e religioso e durante muito tempo, só nos três conhecíamos aquela reza ,…eu, maínha e o cavalo. (Valdir Facini é articulista)

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