Saudosismo ‐ por Flávio Lauria

Flávio Lauria é Administrador de Empresas e Professor Universitário

Feliz daquele que viveu o seu bom tempo passado, colheu diabruras infantis, desabrochou o encanto pelo amor e ainda cultiva a lembrança de prístinas eras da iniciação cultural no aconchego da curiosidade – ávida sabedoria. O saudosismo é belo. O modernismo mete medo, fazendo-nos refletir, no momento, da imperiosa necessidade de repudiarmos os desmandos que assistimos na vida política do País, a violência que assusta – impedindo-nos de apreciar os encantos da noite, a paisagem ensolarada ou chuvosa do dia –, os efeitos programados das vaidades, as cansadas promessas de paixões sem vontade, as motejadoras cantigas em danças mortas.


A beleza das coisas, ainda bem, parece ter gosto de outrora. Incitação jovem e bem-feita a encarnar, sem preconceitos, os despojos espetaculares da medida ideal da saudade. Com certeza, em todas as idades passadas, em séculos medievais ou contemporâneos, burlescos ou dos absurdos, alguém buscou registrar passagens de estações românticas e culturais (por todos os segmentos). Há uma corrida desabalada dos jovens cinquentões à procura de livros que retratem qualquer tempo remoto, até mais recentes, histórias que nos transportam a épocas de reluzentes anseios de viver em toda plenitude. Não era proibido fumar em nenhum lugar, nem pisar na grama – todo mundo deitava e rolava –, ninguém tinha vergonha de dar flores à namorada, escrever-lhe cartas amorosas, tampouco de fazer serenatas pra ela. Não havia amor livre, respeitavam-se regras familiares e normas sociais. Estudava-se e lia-se. Gerações vencedoras, atentas às mudanças dos costumes. Ah!… Evolução. Dóris Lessing, por exemplo, ainda insiste que não pediu para ser filha da Segunda Guerra Mundial, arremedando André Gide, que lhe dizia originada de uma geração de perdedores. Por isso, em seu Sweetest Dream, reviu os anos 60, com o penhor da liberdade, revelando o retrato de uma geração hippie, renegando os danos causados pelo idealismo naquela juventude, imaginem, decifrando-os pouco ou nada gratificantes como lição para os novos moços, não atraentes, a ponto de abraçá-los. E, diferente da velha dama da literatura inglesa, prefiro ser filho da paz e do amor, sem a frustração da mesma quanto ao seu cruel testemunho de uma Europa devastada pela mente doentia de um tirano como Hitler, causando a morte de milhões de pessoas.

As guerras, porém, que deformam nosso cotidiano, são, relativamente ao confronto bélico entre nações, sempre terríveis, vis e liliputianas. São diversas. Hoje, conflitamos com o inesperado – o assalto armado nas dobras das calçadas, as vinganças inexpressivamente pecaminosas. A miséria dos marginalizados meninos que não optaram por nascer, muito menos na mendicância das ruas e favelas. O nariz arrebitado da elite dos ricos, sem dó e com toda a frieza dos insensatos, desfazendo os sonhos daqueles que imploram uma oportunidade de viver com o mínimo de dignidade.

A política, que nos arde com seu fogaréu de corrupção, produzido pela maioria dos seus agentes parlamentares – incompetentes e caras-de-pau. Grande parte dos membros do Judiciário a emperrarem o direito dos pobres e oprimidos na vestalidade de seus atos e posturas. São estas algumas das batalhas que enfrentamos no dia-a-dia deste Brasil de meu Deus – partes de uma guerra que ousamos conviver apenas com a força do pensamento. Ou então mergulhemos em clausuras familiares, esconderijos mapeados exclusivamente para os amigos e voltemos a prosear os nossos melhores tempos, pois as pessoas passam suas vidas construindo um futuro e no fim dos anos percebem que só recolheram um passado. Seria uma quase crítica da razão pura, de Kant: “O tempo não muda, mas sim, algo existe no tempo. Necessitamos da percepção das coisas e da sucessão delas, ou seja, da nossa experiência para definirmos nossos espaços.”

 

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