Semipresidencialismo é gambiarra institucional, avalia historiador

Historiador Luiz Felipe Alencastro, professor eméritoda Sorbone e da FGV.

O semipresidencialismo proposto pelo presidente Michel Temer e pelo ministro do Supremo Gilmar Mendes “só piora o que já está ruim”, diz o historiador Luiz Felipe de Alencastro, 71, professor emérito da Sorbonne, em Paris, e da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo.


Alencastro dá um exemplo concreto dos riscos de se ter um presidente eleito pelo voto direto e um primeiro-ministro escolhido pelo Congresso: o presidente viraria refém de governadores de Estados como São Paulo e Rio, que controlam grandes bancadas e podem derrubar o primeiro-ministro. Seria uma volta à Primeira República (1889-1930), quando os governadores controlavam a Presidência, afirma.

PERGUNTA – O sr. criticou o presidente Temer e o ministro do Supremo Gilmar Mendes quando eles defenderam o semipresidencialismo. Qual o problema desse regime?

LUIZ FELIPE DE ALENCASTRO – Há duas questões prévias. A primeira é que o tema do parlamentarismo foi submetido a sufrágio popular em 1963, em situação tumultuada, e foi recusado por quase três quartos do votos.
Isso ocorreu de novo em 1993, o tema foi exaustivamente discutido e teve só 25% dos votos.

P – Por que a volta agora?

LFA – O parlamentarismo foi retomado de maneira oportunista por candidatos derrotados. É uma gambiarra institucional. Eleição presidencial é a disputa mais importante, quando o país vira um colégio eleitoral único e os debates são verdadeiramente nacionais. O Brasil é o único agregado colonial europeu que não se fragmentou.

P- Isso é uma qualidade?

LFA – Isso é um fato histórico, e a eleição presidencial é um momento alto da identidade nacional, onde o presidente tem de catar voto pelo país todo numa campanha exaustiva. Esse debate é retomado como se nunca tivesse sido discutido antes. Isso é insultante à opinião pública. Todos os regimes são bons num sistema democrático. Tem de saber como é que vai ser aplicado o parlamentarismo aqui. Mas os proponentes dessa reforma não têm interesse em aprofundar o debate porque ele está cheio de incógnitas.

Historiador Luiz Felipe Alencastro, professor eméritoda Sorbone e da FGV.

P – Que incógnitas?

LFA – Semipresidencialismo é o regime em que o presidente é eleito pelo voto direto, tem prerrogativas próprias definidas na Constituição e coabita com um primeiro-ministro escolhido pelo parlamento.

Ora, todos os regimes que adotaram o semipresidencialismo tinham um parlamentarismo integral, onde não havia eleição presidencial direta. Em alguns casos eram monarquias, como a Irlanda, que virou república e instaurou o regime semipresidencialista em 1937. Ou a Finlândia, a primeira a instaurar esse regime em 1919, que era um grão-ducado russo e tinha um parlamento aristocrático. A França, o caso mais conhecido, e Portugal eram regimes parlamentaristas e introduziram eleição direta para presidente, um cargo que já existia. Houve referendo e discussão.

O fato de o presidente Temer e o ministro Gilmar Mendes estarem falando nisso significa que estão pensando a curto prazo. Não é função do Supremo fazer isso. Criar o semipresidente a partir de uma PEC (proposta de emenda à Constituição) seria um abuso do Congresso.

P – Seria outra jabuticaba, algo que não existe no mundo?

LFA – Exatamente. Mas tem mais jabuticaba. Nenhum desses países é federalista nas três esferas. O semipresidencialismo desequilibra o poder. O presidente é eleito por voto direto. Já o primeiro-ministro saiu do Congresso. O senador José Serra, eleito com milhões de votos, vai aceitar que o voto dele na escolha do primeiro-ministro tenha o mesmo peso que um deputado de São Paulo que foi eleito com 300 votos na chapa do Tiririca?

P – É por isso que o sr. chama o regime de gambiarra?

LFA – Sim, é um casuísmo gigantesco, que só piora o que está ruim. O semipresidente será mais fraco do que um presidente. O que vai acontecer? Os governadores, sobretudo os de Estados fortes como São Paulo e Rio, alinhados com suas bancadas, vão ter condições de dar xeque-mate no Executivo federal porque serão mais poderosos. Eles podem derrubar o primeiro-ministro. Isso desequilibra os poderes. Voltaremos à Primeira República (1889-1930).

P – O sr. acha que implantar esse regime seria um golpe?

LFA – Acho que sim. Acompanho esse debate há muito tempo. Em 2002, quando havia o risco de Lula ser eleito presidente, o [atual ministro das Relações Exteriores] Aloysio Nunes, que era deputado, apresentou uma PEC parlamentarista, que depois foi afundada. O PSDB diz ter um programa parlamentarista, mas Fernando Henrique esqueceu isso quando foi presidente. O que ele fez com a maioria que tinha no Congresso? Governou por meio de medidas provisórias, criou um hiperpresidencialismo, coroado pela reeleição. Se fosse tão bom assim, ele teria instaurado o semipresidencialismo em 1998. Isso é um insulto à inteligência.

P – O que o sr. acha do distritão?

LFA – Tem um colega aqui na FGV que estuda voto distrital, o Jorge Avelino, que acha muito difícil ser viabilizado porque os votos dos deputados estão muito espalhados.

P – Mas haveria algum ganho?

LFA – O que estou discutindo é que esse governo, de competência derivada, porque decorreu da eleição de Dilma Rousseff, está aplicando uma reforma oposta ao programa de governo que o Temer assinou quando aceitou ser vice. Esse governo não tem legitimidade para virar a mesa, acabar com a CLT, privatizar ou reduzir reserva indígena. A reforma da CLT é feita às escondidas. O [Emmanuel] Macron está fazendo reformas na França, mas foi eleito com essa plataforma e discute com sindicatos.

Fonte: Notícias ao Minuto

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