
O filósofo Roland Corbisier foi um dos melhores intérpretes da realidade brasileira. Teve uma juventude influenciada pela inteligência tradicionalista, de linha católica, foi um dos fundadores do Instituto Brasileiro de Filosofia (com Miguel Reale, Cruz Costa, Renato K. Szerna e Vicente Ferreira da Silva). Antes dos trinta anos, publicou um grande livro (Consciência e Nação) sobre os dilemas de nosso tempo. Foi o principal introdutor do existencialismo de Jean-Paul Sartre no Brasil e chegou a militar na política conservadora. Viu que estava no caminho errado e evoluiu do tomismo ao marxismo, como narra em sua Autobiografia Filosófica (CB, 1978). Viu o mundo crescer e com ele o inchaço das cidades. Foi cofundador (com Hélio Jaguaribe e outros intelectuais) do famoso Instituto Superior de Estudos Brasileiros (governo Café Filho), o famoso ISEB fechado pelo golpe de 1964.
Corbisier já antecipava que o mundo da ciência e tecnologia só poderia resolver os problemas humanos se houvesse uma revolução interior para espancar o egoísmo das elites. Já naquele longínquo ano estávamos em 1951, Presidência de Getúlio Vargas ele narrou que só o homem civilizado (hoje teria de dizer homem/mulher para não criar problemas com organizações femininas) poderia salvar a sua morada (a cidade) e o mundo. Imagine se Roland, hoje estivesse vivo e obrigado a ouvir dos candidatos vazio palavrório da lavra de marketeiros que repetem técnicas de propaganda ianque.
Costuma-se dizer que sem cidades bem administradas nada funciona e o país não progride. Ora, se os problemas típicos de cada pessoa acontecem na cidade, é nela que o indivíduo e as famílias sofrem pressões do passado, enfrentam a batalha do presente e sentem a incerteza do futuro. Que problemas são estes? A angústia do nada que somos, os surtos do tédio e do pensar na morte, a tragédia de ver o tempo chegando, o desespero de ficar cada vez mais ciente da precariedade do nosso viver. Infelizmente, o crescimento desmesurado da cidade quebrou o elo que mantinha os homens como vizinhos e amigos. Hoje somos cidadãos e números e ficamos na dependência de soluções globais. Será isso resultado do mito do progresso da ideologia revolucionária, do Iluminismo? O francês Georges Sorel dizia que o progresso seria definitivo para concretizar a democracia moderna. Se vivo fosse, Sorel estaria decepcionado, pois hoje a democracia virou uma balela. Votar até que se vota, mas e daí?
Se as cidades são como os homens nascem, crescem, vivem e acabam morrendo há de ser sempre um repositório de esperanças e frustrações, sob o predomínio do mais forte. A cidade que temos hoje já não é a morada dos homens. Ninguém mais tem gosto de sair pela cidade, passar nos bancos e nas casas de comércio, tomar um café ou entrar numa repartição pública para ver a angústia estampada na face de cada um. A eleição parece um fim de festa sem sucesso. Logo virá mais uma temporada de arranjos, sem programas como sempre, em busca da sucessão estadual e presidencial. Quem vai com quem?
A missão dos políticos não é só brincar de fazer eleição. É antes de tudo converter-se ao Brasil verdadeiro, tão desfigurado pelo colonialismo cultural e financeiro imposto pela mundialização sob o signo norte-americano. E lutar contra a alienação a que estamos submetidos e tomar uma clara consciência de que nossos problemas terão que ser resolvidos aqui dentro, não lá fora. Ou então continuaremos caudatários das nações imperiais (G7).